quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Oitava Trilogia às Quartas e a Bela da Broa e Galinha Acarilada | Herdade do Porto da Bouga Reserva 2008

Nestas oito semanas de trilogia com a Ana e o Luís, temos tido oportunidade de ensaiar preparações que apenas obedecem ao tema lançado pelo proponente e que (por mim falo) tem dado coisas que se calhar, não fosse este desafio semanal, nunca ou dificilmente apareceriam. O tema da semana - a broa - foi proposto pelo Luís. Com o fim de semana a coincidir com o Natal, não houve grande tempo para pensar muito e a minha abordagem a esta proposta/desafio acabou por ser quase em cima do joelho e quase sem rede, já que foi feita hoje ao jantar. Dentro das possiveis abordagens, ficaram logo uma série delas de fora, como fazer broa ou fazer uma preparação em que a broa fosse muito processada. Acabou por ficar a vontade de harmonizar a broa com uma galinha (era uma inteira e gorda, com ovos e respectivos miúdos e que deu uma canja fabulástica e da qual reservei os supremos, bem como as coxas e as sobre-coxas). Deixei parte da galinha a marinar em vinho branco, alho e um pouco de azeite de um dia para o outro; depois deitei azeite no fundo de um tacho e levei a lume forte. Juntei os pedaços da galinha e deixei alourar. Juntei uma cebola picada e o liquido da marinada e deixei a estufar em lume muito brando. Quando a galinha estava macia, juntei um ar de pimenta, sal marinho e aquela mágica mistura de especiarias que quando acolita o frango quase obriga a um arroz branco a acompanhar - o caril. Aqui o acompanhamento foi muito menos neutro.
Resolvi fazer umas migas com boa broa de milho e couve galega. Outro tacho, mais azeite, um dente de alho esmagado e cortado, a broa partida em pedaços pequenos e couve galega cortada quase como se fora para caldo verde. Um pouco de água para hidratar a couve e vai de mexer em lume médio, até harmonizar sabores (não queria uma papa). Já agora e para que a broa tivesse dois momentos no prato e para eu, se quisesse, chamar ao prato, galinha de caril com broa em dois momentos, resolvi servir um supremo da galinha sobre uma fatia da mesma broa, aqui com um pouco do molho de caril. Servi assim, sem mais e ainda estou a pensar que algumas harmonizações pouco canónicas, dão pratos interessantes, como este...        


E já que estava numa de quebrar "regras" (sejam lá essas senhoras quem forem) resolvi esquecer um vinho branco que seguramente ligaria/mariadaria bem aqui, com o supremo seco da galinha e com o caril e atirei-me de cabeça a um vinho tinto low-cost do nosso Além-Tejo que estranhamente, apesar de ser muito pouco falado, é muito bom, barato e fácil de encontrar. Feito na Herdade do Porto da Bouga, em Alegrete, com Trincadeira, Aragonês, Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Syrah, estagia oito meses em carvalho Francês e Americano. Um vinho tinto do Enólogo António Saramago que surpreende sempre pela frescura e pela boa acidez. Cheio de fruta, com a madeira no ponto certo, é um vinho feito para o Pingo Doce e que agora baixou o preço (custa € 3,99), o que o torna numa das propostas mais interessantes nesta gama de preços. Obrigatório...   


domingo, 26 de dezembro de 2010

O Cabrito do Natal y Sus Muchachos Bairradinos

Este ano, no almoço do dia 25/12 aka dia de Natal em Terras da Gandara (near Bairrada), havia cabrito no forno... Feito pelo meu pai, deixado de véspera a marinar em alho e um pouco de vinho branco e já depois no assador de barro, acolitado com batatas e mais uns aromas/temperos. Para acompanhar este cabrito (que nem é assim uma coisa obrigatória no 25/12 por terras da Gandara, ou nem era, como o leitão também não o era), porque não ensaiar uma mariadagem com vinhos tintos de respeito com alguma idade, feitos da Baga da Bairrada (que até pode ter sido do Dão ou que volta ao Dão, a 25/12 isso não releva) e com selo de Qualidade de dois grandes produtores? Nada contra, tirando que a experiência de abrir vinhos com alguma idade (13 e 16 anos, estes, não deveriam ser considerados vinhos velhos, embora outros com menos anos já tenham fenecido) e provenientes deste rectângulo nem sempre dão uma prova inesquecível pela positiva. Foram escolhidos dois vinhos, um Garrafeira 1994 do Mário Sérgio Alves Nuno, da Quinta das Bágeiras e que esteve quase para acompanhar a bacaulhauzada do dia 24, não fosse ter aparecido com aromas estranhos e a pedir descanso depois de cuidadosamente vertido num decanter e deixado a repousar e um vinho de vinha, da Pan(asqueira) e de 1997 feito pelo Eng. Luís Pato e que foi aberto uma hora antes do almoço e também filtrado e enfiado cuidadosamente num decanter. Curiosamente, são dois vinhos que conheço e que já tinha provado por algumas vezes. O Quinta das Bágeiras Garrafeira 1994 já não se deve encontrar no mercado, mas o Vinha Pan 1997 encontra-se com alguma facilidade. O preço neste caso é muito relativo, mas ambos teriam preços a rondar os € 25,00, quando foram lançados para o mercado...    
  


Apesar de ambos serem vinhos de guarda, feitos de Baga e muito bem feitos, não resistiram muito bem à passagem do tempo (claro que se pode sempre falar de condições da garrafa e das de guarda). O Bágeiras não chegou a acordar para a vida (ao contrário de uma outra garrafa que tinha provado recentemente, mas com melhores condições de guarda - na adega do Produtor) e o Vinha Pan esteve sempre semi-adormecido. Sendo que este último está no mercado (e em promoção, em alguns sítios), será para beber asinha.

Já o cabrito e apesar de ter gostado de ter ficado um pouco menos tempo no forno, preferiria um Bágeiras Garrafeira Tinto de 2001, 2004 ou 2005 (todos fantásticos e provei o 2004 a 15 dias do Natal) ou um Vinha Barrosa de 2001 (que também adorei, ou um VB 2005 que ainda não provei, mas que será outro grande Baga)...      

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Sétima Trilogia às Quartas, o Frango que saiu Pintada Recheada e o Quinta da Gaivosa 1995

Mais uma Trilogia das quartas feiras, com a Ana e o Luís. Desta vez, o tema - proposto pela Ana - era frango recheado. Por mim e para simplificar, optei por uma galinha de Angola, ou pintada, já que não tinha nenhum frango de capoeira inteiro disponível. Comprei a pintada arranjada e congelada e deixei-a a descongelar. Limpei as penas espúrias, lavei-a bem por dentro e por fora e reservei-a. Para o recheio, um trio que se presta e muito bem a rechear aves em geral e esta pintada em particular: Cogumelos (pleurotus), castanhas e pasta de figado (de um bloco de foie a uma pasta de figado de porco, é tudo caminho... eu usei o fígado do porco). Levei um tacho ao lume com um fundo de azeite (e fica bem citar aqui o Chef Henrique Sá Pessoa que no programa do Domingo passado na 2 - Ingrediente Secreto - sobre courgettes, disse que a maior parte dos seus pratos começam com um fio de azeite...) e juntei uma cebola picada e dois dentes de alho esmagados. Deixei confitar a cebola e juntei algumas castanhas (daquelas que se compram descascadas e congeladas). Envolvi tudo e deixei a estufar em lume brando, depois de juntar um pouco de vinho do Porto*. Ao fim de cerca de meia hora, juntei uns pleurotus partidos em pedaços pequenos e desliguei o lume. Deixei o recheio a arrefecer e juntei umas colheres de pasta de fígado de porco. Temperei com pimenta preta e um pouco de malagueta moída. Juntei um pouco de sal, mexi tudo e enfiei o recheio pelas entranhas da pintada...

Entretanto, liguei o forno com o termostato nos 190º C e entretive-me a coser as aberturas da galinha, com calma e paciência... Apesar da calma e da paciência (e já agora, de algum cuidado) o molho do recheio acabou por sair parcialmente. Nada que incomodasse muito. Reguei a pintada com mais um pouco de vinho do Porto e meti-a no forno, coberta com uma folha de alumínio. Ficou assim pouco mais de uma hora.


Depois, baixei a temperatura para os 170º C e deixei ficar mais uma meia hora, 45 minutos enquanto ia regando a ave com o molho que se ia formando no fundo do tabuleiro. Quando estava lourinha, retirei-a do forno (que entretanto desliguei) e pensei num acompanhamento - algo que iria ligar muito bem seriam umas "papas" de farinha de milho cozida, com uns fios de couve galega a dar o toque ácido - mas que preteri por achar que se calhar, dado o recheio, não precisava de mais nada.

E foi assim que a pintada acabou no prato, acompanhada do seu recheio, com castanhas, pleurotus e pasta de fígado de porco.


Para acompanhar este prato escolhi um vinho de um dos grandes produtores do Douro, Domingos Alves de Sousa, com a sábia enologia de Anselmo Mendes e do Tiago Alves de Sousa. A escolha nem foi muito difícil porque há pouco tempo tinha tido uma meia desilusão com um dos seus vinhos de topo, o Vinha de Lordelo 2003 que estava mais evoluído do que seria de esperar e queria ver melhor da bondade dos vinhos da Gaivosa com alguns anos. E este Quinta da Gaivosa de 1995, ao fim de 15 anos, mostrou-se um grande vinho. A rolha ainda deu algum desassossego, porque já parecia no limite da validade, quando cortei a capsula. Mas tirei a rolha intacta e verti cuidadosamente o vinho para o decanter (tinha deixado a garrafa de pé durante dois dias, para o depósito assentar). Deixei-o respirar um pouco e provei. No inicío estava assustado e com alguns aromas menos agradáveis, mas isso passou depressa. Evoluido? Sim, mas com uma classe que deve estar fora do alcance da maioria dos vinhos portugueses. Macio, todo ele veludo e com uma cor ruby viva e apaixonante. Grande vinho a acompanhar uma pintada que estava muito agradável...    


* Acerca de vinhos na comida, penso que é tonto usar vinhos com defeitos ou maus, já que se corre o risco de dar cabo da comida, sendo igualmente tonto usar vinhos que darão maior prazer a ser bebidos/provados. Ressalva-se naturalmente, as sobras das garrafas. Aqui, como não tinha sobras, usei um vinho do Porto honesto e que até dá algum prazer a beber, o Armilar Tawny de 10 anos, produzido pela C. da Silva - Vinhos Dalva - e comercializado pelos supermercados LIDL. Custa pouco mais que um tawny corriqueiro, logo não é muito grande o desperdício, já que o preço rondará os € 7,00.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Uma Espécie de Açorda de Bacalhau | Contemporal

Digo espécie, porque esta açorda não foi feita simplesmente com o pão aromatizado no caldo de cozer o peixe a desfazer-se no azeite aromatizado com alho. Na verdade, nesta variante, levei um tacho ao lume com um fundo de azeite e alho esmagado e juntei uma cebola em rodelas finas. Deixei que a cebola ficasse translúcida e adicionei um pouco de pimento vermelho em tiras finas e um tomate em pedaços pequenos. Deixei tudo em lume brando enquanto limpei uma posta de bacalhau de peles e espinhas e embebi umas carcaças já secas em água a ferver. Juntei o pão, um ar de pimenta preta e um pouco de pimentão doce e fui mexendo pacientemente, até a açorda estar homogénea. Depois juntei o bacalhau lascado e um pouco de salsa e envolvi tudo. Desliguei o lume, esperei uns minutos, voltei a envolver a açorda e servi, com umas azeitonas pretas.  


O vinho que acompanhou este prato foi o Contemporal, nova marca do Modelo/Continente, aqui na versão Vinho Verde Branco. Escolhido por Aníbal Coutinho e produzido pela Sociedade de Vinhos Borges, é um vinho simples, fresco e com boa acidez. Ao preço (€ 1,99) é uma boa escolha.  

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A Antecipação da Consoada e os Vinhos | Herdade do Perdigão Reserva 2007

O bacalhau cozido com mais ou menos todos é bem capaz de ser o prato mais consumido no jantar do 24/12, ou o da Consoada. Por mim, gosto muito do bacalhau cozido apenas com batatas e duas couves, a galega em folha e outra mais clara em repolho (lombarda, coração and so on and so on). Claro que os bróculos, a couve flor, a cenoura, os ovos e a cebola normalmente entram para compôr o resto do todo que antecede toda a panóplia de doces como as filhozes, as rabanadas e o bolo-rei e que acaba em roupa velha como entrada no almoço do dia 25. Para bem fazer este prato, diria que os legumes deverão ser deitados no tacho onde há água a ferver por estrita ordem do tempo de cozedura e que o bacalhau deverá ser apenas escalfado e que o ovo deverá ser cozido à parte e mergulhado no tacho com a água ainda fria. Depois, já no prato, um dente de alho esmagado e cortado, um generoso fio de bom azeite, o bacalhau e os legumes e pimenta preta a salpicar o prato...    
    

Para acompanhar este prato, não há unanimidade nas opiniões. Desde um vinho branco às segundas, quartas e sextas, tinto às terças, quintas e sábados e ao domingo, ou se manda a moeda ao ar ou se prescinde do bacalhau, como advoga o meu amigo PadreFrancisco, vale tudo. Por mim, concordo, embora prefira um branco (um bacalhau bem preparado e acompanhado por um Quinta das Bágeiras Garrafeira branco é algo de inesquecível) e de preferência um branco com algum tempo em garrafa. Este Herdade do Perdigão Reserva, feito em 2007 com Antão Vaz e estagiado em madeira constituiu uma bela mariadagem. Para "reserva" está algo evoluído na cor (a roçar o dourado) mas está telúrico e mineral, elegante e com bom corpo para acompanhar a comida. A cereja no topo do bolo, foi o preço... € 5,99 no Jumbo do Parque Nascente. Imperdível.  

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sexta Trilogia às Quartas e a 15/12/2010 sai Arroz de Entrecosto em Vinha de Alhos com Grelos | Quinta das Baceladas 2004

Desta vez, para a trilogia das quartas-feiras com a Ana e o Luís, fui eu que sugeri o mote: Arroz ou o arroz do nosso contentamento, seja lá isso o que fôr... Tendo perfeita noção que ambos iriam apresentar belas interpretações desse prato (de arroz) que dá para tudo, desde os mais delicados mariscos às carnes mais violentas, com sangue e tudo, optei por uma preparação sem receita pré-definida e sem forno, embora a tentação de fornear alguns arrozes seja sempre grande...

Escolhi uma carne quase unânime, entrecosto de porco, como base da minha preparação. Comprei um pedaço de entrecosto quase sem gordura e pedi para mo cortarem em pedaços pequenos, com carne à volta dos ossos, sem esquírolas e pouco mais. Deixei em vinha de alhos de um dia para o outro (com o vinho escolhido a ser o nóvel Contemporal branco da região dos vinhos verdes, feito pela Borges, escolhido por Aníbal Coutinho e que integra a nova marca de vinhos da Sonae). 

Comecei por picar grosseiramente uma cebola e uns dentes de alho. Deitei-os num tacho, cobri com azeite e levei a lume esperto até a cebola estar translúcida. Juntei os pedaços de entrecosto previamente escorridos do líquido da marinada e fui mexendo, sempre em lume esperto, até o entrecosto estar alourado. Juntei o líquido da marinada, um ramo pequeno de salsa, uma folha de louro, pimenta preta e malagueta em pó, uma colher de massa de pimentão e um ar de pimentão doce. Juntei ainda água suficiente para no fim do processo de estufagem da carne, sobrar líquido para o arroz cozer e ficar amalandrado. Deixei a estufar em lume brando (cerca de uma hora) e quando a carne estava macia, juntei arroz carolino, o melhor para estes arrozes. Quando começou a levantar fervura, juntei grelos partidos grosseiramente e envolvi-os na mistura. Depois foi deixar cerca de dez minutos a fervilhar e desligar o lume. Deixei assim, a harmonizar sabores durante mais cerca de três minutos e servi...   


O vinho escolhido para acompanhar este belo arroz foi o Quinta das Baceladas 2004. É um vinho Bairradino das Caves Aliança, feito por Pascal Chatonnet e Francisco Antunes, com uvas de Cabernet Sauvignon, Merlot e Baga de vinhas da zona de Cantanhede. Estagiou um ano em barricas novas de carvalho francês e foram feitas 37.901 garrafas mais 596 magnuns. O PVP ronda os € 10,00 e tem uns robustos 14,5º de álcool. Nesta edição de 2004 saiu muito equilibrado, com as três castas a jogarem em equipa e com a madeira a marcar o vinho sem grandes excessos. Ao fim dos quase cinco anos que leva de garrafa está muito agradável e pronto para aguentar mais uns anos em garrafa. Mais um clássico da Bairrada com uma relação qualidade/preço invejável...  

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Castello d' Alba Touriga Nacional Douro 2009 Unoaked | Borrego no Forno


Castello d' Alba é uma das marcas da VDS (vinhos do Douro Superior), juntamente com a Atalaya, Quinta da Cassa e Quinta de Fafide. Os brancos Castello d' Alba Reserva e Vinhas Velhas, provados recentemente aqui, pautam-se por uma relação qualidade preço invejável. Este tinto de Touriga Nacional da colheita de 2009 sem passagem por madeira era um vinho que estava já há algum tempo à espera para ser provado.

Foi desta, a acompanhar um naco dianteiro de borrego no forno...

O vinho é francamente bom e tem um preço muito interessante, a rondar os € 5,00. Nada de novo a assinalar, já que os vinhos brancos também partilham essa boa relação qualidade/preço. Com uma bela cor ruby medianamente carregada, muito límpido e limpo, cheio de fruta madura qb sem sobre-extracção, com uns taninos amigos do palato e um final médio, é um vinho imperdível. Alguma rusticidade a lembrar que estamos perante um vinho do Douro e com o lado floral da Touriga bem controlado/domado, muitos serão os encómios a tecer a este vinho. Fiquei fã... 
    


O borrego que acompanhou o vinho não terá grande história. Foi para o tabuleiro de barro, levou sal, alho esmagado, pimenta e vinho branco. A gordura (pouca) para a assadura foi azeite e os acólitos, batatas. Batata de polpa amarela e batata doce. Foi ao forno pré-aquecido a 170º C durante pouco mais de uma hora.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Sopa de Favas, Castanhas e Espargos


Há comidas que pela sua simplicidade e por serem algo inusitadas merecem ser partilhadas, como esta sopa que estava para ser apenas de espargos e castanhas, mas a que a aposição de umas favas deu uma característica muito fora do esperado. Claro que a surpresa foi muito agradável...

Para começar, a base. Confesso que não gosto muito de sopas feitas apenas com azeite. Um pouco de gordura animal a "temperar" o caldo confere-lhe um sabor muito mais interessante. E aqui, usei apenas um pouco de chouriço com pouca gordura que levei a cozer. Quando estava cozido e tinha libertado um pouco de gordura e sabor para a água, juntei favas (fora de época, que se escalfam e congelam) e castanhas (também congeladas) e deixei cozer tudo. Pouco antes das favas e castanhas estarem cozidas deitei umas hastes de espargos cortadas em rodelas finas. Reservei o chouriço e algumas castanhas e passei a varinha até obter um creme. Juntei o chouriço em rodelas e as castanhas que tinha reservado, partidas em pedaços pequenos; juntei uns bagos de arroz carolino e levei ao lume até o arroz estar cozido al dente. Desliguei o lume, juntei as cabeças dos espargos, deitei um ar de pimenta preta, um pouco de sal e um fio de azeite. Aromatizei com um pouco de salsa fresca picada grosseiramente. Esperei alguns minutos e servi.       

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Quinta da Carolina 2008 | Entrecosto de Porco no Forno


A Quinta da Carolina situa-se na margem esquerda do Rio Douro a cerca de quatro quilómetros a sul do Pinhão. Este vinho foi feito com uvas das vinhas da quinta, com cerca de trinta anos de idade e orientadas (as vinhas, não todas as uvas) a norte. Esta é a informação mínima para se enquadrar este vinho. Depois, pode dizer-se que o Enólogo é Jean-Hugues Gros, que as castas estão misturadas e que tem Tinta Roriz, Touriga Franca, Tinta Barroca e Tinta Carvalha. Uvas seleccionadas cacho a cacho, pisa a pé, fermentação em inox e estágio em carvalho Francês. Tinha provado a colheita de 2006 (aqui) e gostei muito do vinho. O vinho de 2008, acabado de saír para o mercado (leia-se Garrafeira Tio Pepe e pouco mais, que a produção é pequena - do 2006 apenas se fizeram 1.840 garrafas) e já notado com uns robustos 17 valores pelo JPM, no seu guia de vinhos era, naturalmente, um vinho que gostaria de provar. Quando estive na prova de vinhos da Madeira, na Garrafeira Tio Pepe, o Luís Candido teve a amabilidade de me oferecer uma garrafa para provar... 

O vinho não é muito carregado na cor; no nariz aparecem as notas da barrica, é algo floral e denota os aromas a fruta vermelha madura, mas sem ser compotada. Fino e elegante, diferente do 2006, que era mais concentrado, é um vinho consensual. Final longo e saboroso. Um belo vinho do Douro, que acompanhou muito bem um entrecosto de porco no forno com as suas batatas e espargos apenas salteados em azeite, sal e um ar de pimenta preta.      


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A Arte da Tempura ou uma Fuga na Quinta Trilogia à Quarta

Esta trilogia das quartas feiras com a Ana e o Luís já vai na quinta edição. Desta vez e por sugestão do Luís, embarcámos outra vez até ao Japão e fomos resgatar as Tempuras, essas primas medievais/orientais dos nossos peixinhos da horta. Num tempo em que pela globalização desta nossa aldeia temos acesso a tudo em qualquer altura do ano, qualquer pessoa pode tempurar o que quiser e quando quiser. Como para mim era uma novidade na cozinha, teria que ser comedido na ambição e preocupar-me mais em tempurar como deve ser do que propriamente ter o atrevimento de propor algo de novo. Ainda assim e como isto (blogue e trilogias) pretende apenas ser um divertimento, sem ambição a tratado de cozinha ou livro de receitas, apeteceu-me tempurar uma brandade de bacalhau que acompanhei com tempuras de legumes que a podiam acompanhar, como a cebola, o pimento, a cenoura e os espargos (as batatas foram naturalmente eliminadas por razões obvias e o alho apenas escapou por pouco, mas como estava na brandade, não o quis duplicar). Resultou assim num prato a que se poderia chamar brandade de bacalhau e legumes crocantes na sua tempura.  


Comecei por fazer o polme, com um ovo, um copo de água gelada e uma chávena de farinha, misturei tudo muito bem e meti sobre um recipiente com água gelada e cubos de gelo. Reservei no frigorífico. Passei então  à brandade, com um pouco (muito pouco) de azeite e alho esmagado num tacho em lume brando a que juntei bacalhau cru a que tinha previamente retirado peles e espinhas e fui mexendo vigorosamente com uma colher de pau até o bacalhau estar completamente em fios e homogeneizado com o azeite. Fiz umas bolinhas com a mão, escorri sobre papel absorvente e levei ao frigorífico. 
Estava na hora de passar à acção. Uma frigideira quase cheia de óleo a aquecer. Cortei a cebola em meias luas e espetei um palito para as manter integras, fatiei o pimento e a cenoura e cortei as cabeças a alguns espargos. Quando o óleo estava bem quente, passei os vegetais pelo polme e fritei rapidamente. Depois dos vegetais, retirei os restos de polme que ficaram no óleo da fritura e passei à tempuração das bolinhas da brandade. Servi assim, sem mais. O molho tradicional, feito com molho de soja, caldo de peixe, saké e mais algumas coisas que qualquer googlanço revela num minuto, ficou de fora.    



Para primeira experiência neste mundo da tempuração, gostei muito, embora preferisse estar sentado à mesa e ter alguém a preparar e servir, como bem referiu o Luís. Para acompanhar, escolhi um espumante bruto da Murganheira, o Reserva Bruto 2006. Que dizer? É um clássico em qualquer brinde onde se esqueçam astigancias e quejandos e que até acompanha bem algumas comidas. Por menos de € 9,00 é uma escolha segura. 


terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Bife com Molho de Mostarda e Pasta de Azeitonas

Este foi um bife que nem foi feito a pensar em publicar aqui, mas há coisas simples e deliciosas que merecem ser partilhadas... Sem história, foi feito para um almoço rápido. Salteado em azeite e temperado com um pouco de sal e pimenta preta, levou um toque de mostarda para o molho. Quando estava a guardar a mostarda no frigorífico tirei um frasco de pasta de azeitona verde (nada de especial, mas que sabe bem como entrada a barrar uma fatia de pão) e resolvi juntar um pouco da pasta ao molho do bife. Envolvi o bife no molho e servi com esparguete cozido al dente a que juntei um pouco de manteiga e alho picado. Servi assim, sem mais, com umas azeitonas pretas e uma salada de alface à parte. Este prato, pela simples adição de um pouco de pasta de azeitona verde, ganhou muito. A pasta de azeitonas foi o ingrediente extra que fez brilhar o bife...  

domingo, 5 de dezembro de 2010

Vinhos da Madeira @ Garrafeira Tio Pepe



Sábado à tarde e uma prova de vinhos da Madeira, da Blandy' s, na Garrafeira Tio Pepe. Começou-se com o Alvada, de 5 anos, feito com Bual e Malvasia, agradável e com um preço interessante (cerca de € 10,00 uma garrafa de meio litro). Depois provou-se um colheita de 2004, antes de se passar a um trio de respeito, a começar no Malmsey de 1985 eleito o melhor vinho fortificado do ano no International Wine & Spirit Competition, em Londres, um Terrantez de 1976 que estava magnífico e um Bual de 1920 que, apesar da garrafa não estar nas melhores condições ainda se pode ver da frescura e complexidade de um vinho com noventa anos e com muitos mais para viver.    


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Trilogia | Rabanadas

O tema da trilogia desta semana, em parceria com a Ana e o Luís, foi (e muito bem) sugerido pela Ana - Rabanadas. Para mim, o facto de nunca ter feito rabanadas antes constituiu um desafio acrescido de algum risco, pelo que a minha abordagem ao tema foi muito low profile. Preliminares: leitura atenta das quatro receitas da Cozinha Tradicional Portuguesa de MLM. Depois foi só ir para a cozinha e reunir todos os ingredientes, que são alguns, a saber: leite, manteiga, limão, canela (em pau e em pó), açucar, pão duro (cacete), ovos, vinho tinto, mel e óleo. Já agora, vinho do porto, que iria entrar, nem que fosse apenas para acompanhar as rabanadas...

Comecei por ferver leite com um pouco de manteiga, pau de canela, açúcar e casca de limão e deixei fatias de pão (de trigo, compacto e já algo duro) a amolecer.   


Depois, foi seguir o receituário de MLM... Comecei pelas Rabanadas Antigas, com o pão (não passado pelo leite)  a ferver numa calda de açúcar, com água, um pouco de manteiga, pau de canela e casca de limão e que depois é escorrido, passado por gema de ovo e vai a alourar em óleo bem quente, sendo finalizado com açucar e canela em pó e regado com uma calda feita com vinho tinto, mel e canela em pó.



Continuei com as Fatias-de-Paridas, em que o pão é demolhado no leite e depois de passado por ovo batido é frito em óleo bem quente. Servem-se povilhadas com açúcar e canela.



Para finalizar, as Rabanadas Douradas, ou Fidalgas. Feitas com o pão que vai ferver no leite aromatizado e que se passam por ovo batido e cozem numa calda de açúcar. No fim são regadas com essa calda a que se juntou Vinho do Porto. Estas foram as minhas preferidas, embora precisem de tempo para melhorar. Amanhã devem estar uma delícia :) 
   


O vinho usado para a calda das Rabanadas Fidalgas e para provar as outras foi este Porto Reserva Dona Antónia da Casa Ferreirinha. Bem feito e com um preço cordato (anda pelos € 8,00) vale bem o que se paga a mais em relação aos tawnies vulgares do mercado.


domingo, 28 de novembro de 2010

Estufado de Galinha | Vinha de Lordelo 2003

Há muito poucos pratos que me consigam dar mais prazer do que uma galinha velha, longamente estufada em vinho. Demora umas horas, mas o resultado final mais que vale a pena. E então se feita no púcaro de barro e no forno, é ouro sobre azul...

Esta era uma galinha velha cortada em pedaços. Ficou no púcaro de barro a marinar em cebola, alho, sal e pimenta preta, um pouco de massa de pimentão e vinho tinto a cobrir. Foi ao forno a 130º C durante umas quatro horas. Depois subi a temperatura do forno para os 170º C e deixei que o molho e a carne apurasse, regando e virando a carne. Levou cerca de mais duas horas até estar no ponto. Foi servida com um simples puré de batata feito com manteiga das Marinhas e aromatizado com um pouco de noz moscada e umas folhas de rúcola selvagem temperada com flor de sal e um fio de azeite, sem mais.  


Um prato como este merece sem dúvida, um vinho à altura. Um vinho de um dos produtores de topo do Douro, Domingos Alves de Sousa que em 2003 conseguiu pela primeira vez vinificar em separado as uvas da vinha mais velha da Quinta da Gaivosa, a centenária Vinha de Lordelo. Dois hectares e meio de vinha que deram cerca de três mil garrafas, o que será um dos rendimentos mais baixos do mercado (equivalente talvez apenas às vinhas velhas de Santa Maria, da Quinta de Foz de Arouce, com a diferença da Vinha de Lordelo estar no Douro). Um vinho de filigrana vendido a um preço a condizer (em 2005 custou € 60,00) e que só teve até agora, três edições (esta de 2003, tendo saído também em 2005 e 2007). Elegante e cheio de personalidade na prova de boca, com taninos finos, foi a apreciação de JPM no seu Guia de Vinhos de 2005. Com os cinco anos que leva de garrafa depois de sair para o mercado, está com uma cor mais aberta do que seria de esperar, muito macio e a parecer ter mais do que os sete anos. Por mim, teria-o melhor bebido há uns três ou quatro anos. O Quinta da Gaivosa 2003, que custava metade do preço, agora deve estar bem mais apetecível... 

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Quinta da Pellada | Quinta de Saes - Álvaro de Castro | Notas de um Jantar, by Gus

Notas de um jantar em Viseu unicamente com vinhos do Dão do produtor Álvaro de Castro... O mote foi o mítico Quinta da Pellada, Estágio Prolongado, 2000, que nunca havia provado.


 A partir desta escolha, o jantar foi um belo cabrito assado no forno e o alinhamento de vinhos foi este:

- Primus da Pellada, branco, 2007;
- Quinta de Saes, tinto, 2007;
- Quinta de Saes, reserva, Estágio Prolongado, 2007;
- Pape, 2007;
- Quinta de Saes, tinto, 2002;
- Quinta de Saes, tinto, 2001;
- Quinta da Pellada, 2000, Touriga Nacional 100%;
- Quinta da Pellada, 2000, Tinta Roriz 100%;
- Quinta da Pellada, 2000, Estágio Prolongado;
- Carrossel, 2003.




Foi toda uma torrente de emoções ao provar e beber tantos e tão diversos vinhos. Indiscutivelmente que o início do jantar com o branco primus pellada 2007, foi muito interessante, pela frescura e mineralidade do vinho.
Nos tintos brilharam o Saes (Estágio Prolongado) de 2007 com uma excelente RQP e o grande Pape 2007 ainda muito jovem e algo fechado, mas a revelar ser um grande vinho. Depois foi interessante provar os Saes, tintos, 2002 e 2001 que, sem brilharem, ainda revelaram alguma juventude digna de registo. Posteriormente, abriram-se o touriga nacional 100% e o tinta roriz 100% a revelarem ser uns vinhos interessantes que, sem deslumbrar, mostraram acidez e estrutura bem interessantes para vinhos com dez anos. Todavia, os 'reis da noite' acabariam por ser o inevitável Estágio Prolongado 2000 que realmente, para um vinho com dez anos, tem um nariz, uma frescura, acidez e estrutura fantásticas e um Carrossel 2003 que é realmente um grande vinho, absolutamente elegante e com um final interminável!

Bela experiência!

Da Feijoada | Dona Maria 2007

As feijoadas da nossa tradição, duma forma muito simples, andam entre as transmontanas, feitas com extremidades (rabo, orelha e pés) e enchidos de porco e as estremenhas, apenas com enchidos mas com outros complementos (como feijão verde e ovos escalfados). Conceptualmente próximas dos ranchos minhoto e beirão, têm na sua génese o uso de feijão e carnes previamente cozidos que estufam ligeiramente num refogado de cebola e alho e a que se adicionam os caldos de cozedura das carnes e do feijão. Pela sua riqueza calórica, não é de estranhar que sejam tradicionalmente consumidas no Domingo Gordo ou na terça feira de Carnaval, antecedendo o período da Quaresma.
Serão sempre um prato de festa, a celebrar a abundância (e onde se provam muitas vezes os primeiros fumados do ano) e a preparar para um período de quarenta dias de abstinência...

Contudo e apesar de ser um prato da nossa tradição, dificilmente este se poderá considerar um prato que deverá ser executado de uma forma precisa e canónica para resultar. Com efeito, alguma perda de importância do conceito de tradição, tempo/época do ano e mesmo de alteração de modos de vida leva a que a feijoada possa ser láitizada (tradução livre do inglês - light) desde que não se perca de vista a feijoada original. Será um bocado diferente fazer uma feijoada com menos partes gordas do porco do que tirar metade dos ovos ao pudim do Abade de Priscos...

Isto tudo para falar numa combinação que não aparece naturalmente nas nossas feijoadas tradicionais e que me agrada muito: a junção de um molho de grelos à feijoada. Com efeito, os grelos, com o seu sabor marcadamente ácido, cortam muito bem a gordura em excesso, tornando o prato muito mais fácil de encarar. No resto, a minha feijoada é de base transmontana, mas sem o belo do arroz de forno a acompanhar, que prefiro substituir por uma fatia de boa broa de milho. 

  

A feijoada levou orelha de porco, entrecosto, chispe e chouriço de carne. Deixei as carnes em sal duarnte cerca de doze horas e depois demolhei-as outras doze. Meti-as a cozer em água com um pouco de sal e uma folha de louro. Fui retirando a espuma que se formava à superfície. Quando as carnes estavam quase cozidas, juntei o chouriço. Entretanto, piquei uma cebola grosseiramente, esmaguei uns dentes de alho e levei a lume esperto com um fundo de azeite num tacho de fundo grosso. Quando a cebola estava translúcida juntei a carne partida em pedaços e o chouriço em rodelas e deixei envolver na gordura por uns minutos. Juntei então o feijão vermelho com a sua água de cozedura e um pouco do caldo de cozer as carnes. Adicionei os nabos, envolvi tudo, temperei com um pouco de pimenta, rectifiquei o sal e deixei em lume muito brando até harmonizar sabores e engrossar o molho. Este é um prato que, tal como a chanfana é melhor depois de reaquecido. Servi com broa e um vinho que andava já há algum tempo para provar, o Dona Maria Tinto 2007.
   



 
Um tinto de Julio Tassara de Bastos feito na Quinta do Carmo. Depois de 130 anos a produzir vinho na quinta, foi apenas em 1988 que se começaram a comercializar os rótulos Quinta do Carmo (o primeiro terá sido o Garrafeira 1985). Em 1992, metade da Sociedade Agrícola da Quinta do Carmo é vendida aos  Domaines Barons de Rothschild (Lafite), a adega da quinta é desactivada e a sede da Sociedade transferida para a Herdade das Carvalhas. Foi já no início deste século que Julio Bastos vendeu a sua participação na Sociedade Agrícola da Quinta do Carmo e volta à sua Quinta (do Carmo, mas com o nome do vinho já registado, daí o uso do nome Dona Maria), reabilita a adega, mantendo contudo os lagares de marmore ao mesmo tempo que compra novas propriedades. Em 2003 faz a sua primeira vindima e desde então tem-se vindo a afirmar no panorama português, tendo sido distinguido este ano com o prémio produtor do ano pela Revista de Vinhos.      

Foi com alguma expectativa que provei este vinho de 2007 feito com Aragonês, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet e Syrah. Tem tudo o que se espera de um vinho de Extremoz deste preço (cerca de € 8,00). Fruta bem madura, notas de chocolate, boa amplitude de boca, um final longo e agradável. É algo guloso, mas isso nem será defeito. Ao preço, é um belo vinho...  

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

3ª Trilogia 3ª - Escort Chestnut ou 3 Ingredientes e 3 Gorduras ou Um Bife em Lisboa no Final do Séc. XIX se não tivéssemos chegado à América | Vila dos Gamas Antão Vaz 2009

Estas trilogias das quartas feiras feitas em parceria com a Ana e o Luís têm dado resultados muito interessantes. Antes de mais, provam que três pessoas diferentes com três leituras diferentes do acto de cozinhar podem conseguir resultados muito próximos em termos da qualidade final do que se tem proposto. O tema desta terceira trilogia foi sugerido por mim e não seria fácil de tratar: a castanha...
Com efeito, as castanhas reinaram nas nossas cozinhas até à generalização da batata e o nosso receituário tradicional nem sequer é muito rico, como melhor refere Virgílio Gomes aqui. Mas não seria por isso que iria deixar de propôr o uso da castanha como acompanhamento de carnes - a escort chestnut - para as realizações culinárias dos meus compagnons de route...     
Como era a terceira trilogia, resolvi limitar o uso dos ingredientes a três, preparados com três gorduras diferentes, numa postura quase ascética de quem teve muito pouco tempo para preparar o prato (derivado à torção dum pé, o que em algumas circunstâncias é muito desagradável, digo eu a saber, que isto de usar uma muleta num braço enquanto se cozinha é tudo menos agradável) mas que mesmo assim, não quis perder o comboio destas noites de quarta feira.

Na quase impossibilidade de conceber algo com alguma complexidade, limitei-me a imaginar o que seria uma ida a um café/cervejaria/restaurante da capital em meados do século XIX, mas num contexto diferente. Não se tinha chegado às Américas e não tinhamos batatas. A castanha continuava a ser acompanhante de luxo e num qualquer suposto estabelecimento seria confitada em manteiga, dentro dum forno que até as deixava tostar por fora sem perderem a untuosidade acrescida pelo contacto com a manteiga. O bife afinal era uma costeleta, fantástica, (equivalente às do PD, que é bem capaz de ser a melhor cadeia para comprar carne bovina, como já há três anos referia o Avental) mas com um toque de banha de porco a untar o grelhador. Para os bronzes, a rúcola selvagem, com azeite e flor de sal de Tavira. E assim se foi compondo o prato, que acabou por ver uma regra de três a ser quebrada com a inclusão de três finos gomos de maçã - três que afinal foram a excepção que confirmou a regra... 



As castanhas ficaram macias e mais que amanteigadas e desta vez tive o cuidado de deixar a costeleta passar do tom rosado, para um muito mais aceitável e unânime (acho que nem a Ana vai reclamar).

Para acompanhar esta pseudo refeição de há uns anos num qualquer café de Lisboa escolhi um vinho barato e que há alguns anos gozava de um estatuto que foi perdendo a favor de outros vinhos mais elaborados. Falo dum Antão Vaz da Vidigueira que aparece cheio de citrinos, untuoso e com estrutura para acompanhar este prato. Ao preço a que é vendido (€ 2, 89) é bem capaz de ser uma das melhores RQP do mercado (a par com o Quinta da Alorna que provei aqui).

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Carne de Alguidar | Adega de Pegões Tinto Colheita Seleccionada 2007

Este é um daqueles pratos que, sendo muito fácil de fazer, se revela uma muito agradável surpresa no prato. A carne fica macia e deliciosa, uma tentação. Corta-se um naco de porco (perna) em pedaços pequenos, como se fosse para rojões. Junta-se uma folha de louro, um pouco de massa de pimentão, alhos esmagados e picados e um pouco de vinho branco. Deixa-se a repousar num alguidar (melhor se dentro dum tamparuére com tampa, dentro do frigorífico) e vai-se mexendo. O tempo de repouso será a gosto, algo entre duas horas e dois dias ou mais (irá depender da paciencia e da seriedade com que se levam estas coisas da cozinha). Depois é fritar em banha de porco e servir... Com batatas fritas ou com batatas e brócolos cozidos.     

Para acompanhar esta carne escolhi o Adega de Pegões colheita seleccionada tinto de 2007. É um vinho que estranhamente não é tão falado como devia. Bem feito, sem arestas e com um preço apetecível, ainda por cima fácil de encontrar... Porque será que não roda mais nas prateleiras do supermercado? Por ter um preço um pouco acima da barreira psicológica dos € 4,00? Por não vir do Douro ou do Alentejo? Será um pouco isso e mais algumas coisas, talvez...

Este vinho do Eng. Jaime Quendera é feito sem Castelão. Leva Touriga Nacional, Trincadeira, Cabernet Sauvignon e Syrah. Fácil de beber, equilibrado nas subtis notas florais e de fruto vermelho bem casadas com a madeira. E baixou o preço, agora custa € 4,99 @ PD (custava € 5,99), o que o torna ainda mais apetecível. 

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Posta Mirandesa e revisita ao Corpus 2007

A posta mirandesa não será porventura o maior ícone da cozinha tradicional transmontana. A sua origem é relativamente recente na forma como a conhecemos (meados do século passado?) e a sua criação é atribuida a uma senhora de Sendim, a Ti Gabrila, que a servia nas feiras em nacos sobre pão. Na CTP de Maria de Lourdes Modesto aparecem apenas duas referências a vitela no espeto e que serão diferentes da posta. Assim, das feiras ao restaurante A Gabriela, em Sendim, a posta ter-se-à difundido e hoje há sítios, como o Lareira, em Mogadouro, o Abel, em Gimonde ou o Artur em Carviçais que são pontos de paragem quase obrigatória para degustar uma posta.
A sua área geográfica de produção com direito a denominação de origem (DO) é limitada às freguesias dos concelhos de Bragança, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mogadouro, Vimioso e Vinhais, pelo que facilmente se percebe que é daquelas comidas a degustar in situ, não tanto pela complexidade da sua execução, mas pela qualidade única da carne, resultado da raça e das condições excepcionais de solos, coberto vegetal e clima do planalto mirandês (informação mais detalhada aqui).


Efectivamente a carne mirandesa não precisa de nada para brilhar. Brasas e sal. Não havendo brasas, o mal menor será um grelhador untado com um pouco de azeite, onde se sela a peça alta (dois dedos e cerca de 300 g) em lume esperto que depois se baixa para a peça "cozer" sem queimar. O acompanhamento será sempre algo a gosto... Batatas fritas ou assadas a murro e a componente verde, uns grelos salteados ou um esparregado de nabiças e pouco mais...


Esta posta foi o mote para revisitar o Corpus 2007, que tinha provado há pouco menos de um ano (aqui). Passado este tempo, o vinho está quase na mesma, mantém toda a fruta, estará ainda a crescer em garrafa e a pedir para ser bebido outra vez daqui a um ano. Belo vinho! 

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Trilogia 2 | Variações sobre uma Açorda de Bacalhau | Encruzado de Cabriz 2009



O número 2 da trilogia às quartas foi sugerido pelo Luís. Açorda de Bacalhau. Assim, sem mais. Como açordas de várias cores e feitios não faltam por aqui, teria que fazer uma preparação que, sem perder de vista o espírito da coisa, pudesse acrescentar algo com um mínimo de interesse.


Comecei por inverter a lógica da açorda, aromatizando o azeite em vez da água e confitei o bacalhau. Completamente imerso em azeite virgem extra, lá foi a fogo lento, tentando não passar os 50º C. "E porquê 50º? Tudo tem a sua técnica, até mesmo base científica. É a temperatura a que, com tempo, coagulam as proteínas do peixe sem se fundir o colagénio, isto é o componente gelatinoso, aquele que, na fervura, passa do peixe para o caldo. Ou que, ao lascar o bacalhau, nos deixa as mãos pegajosas mas a saber muito bem". Citação do Prof. JVC, retirada daqui). Ao fim de uma hora e depois de ligar e desligar a placa uma série de vezes, o bacalhau estava com bom aspecto. Entretanto, usei parte do azeite aromatizado para fazer a açorda. Tacho de fundo grosso, uns dentes de alho esmagados e cortados aromatizaram mais um pouco o azeite. Foi aí que juntei pão (não pão alentejano já com uns dias, mas regueifa do dia cortada em fatias finas) demolhado em água quente (claro que podia/devia ter cozido um rabo de bacalhau e aproveitar a água e o bacalhau para incorporar na açorda, mas perdia-se a piada da subversão da receita. Contudo, numa próxima vez irei experimentar) e fui mexendo até obter uma papa homogénea. Juntei coentros frescos picados e reservei. Para completar o prato, cozi uns grelos para acamar o bacalhau. Servi assim, sem mais nada que não fosse o azeite aromatizado e umas suas mamãs azeitonas... 


O Bacalhau ficou no ponto certo, firme e a lascar, como se gosta. A açorda ficou muito boa. Gostei muito do efeito do prato, mas senti que faltava alguma cor, que teria sido bem dada se tivesse confitado umas tiras de pimento vermelho e que, sendo uma falha, será corrigida numa próxima edição do prato. De notar que os ingredientes utilizados foram poucos. Água, azeite, alho, bacalhau, pão, grelos e coentros, sem mais nada para além dum pouco de sal marinho na cozedura dos grelos e na verdade não precisou de mais nada. Finda esta Trilogia, irei ver o que a Ana e o Luís fizeram, mas antes, direi algo sobre o vinho que escolhi para acompanhar este prato...


Como já tinha referido anteriormente (aqui), o Encruzado de Cabriz é um dos encruzados do Dão e mesmo um dos vinhos brancos com melhor relação qualidade/preço do mercado. 100% Encruzado, metade estagia em inox e a outra metade em madeira. Fino e delicado, mas com um bom corpo e muito boa aptidão gastronómica, é um vinho que se bebe com prazer. Custa cerca de € 6,00.  



terça-feira, 16 de novembro de 2010

The Pudding Has Been Drinking | Pudim de Moscatel de Setúbal

O título é uma apropriação parva do nome de uma das canções da minha vida, a fabulosa "the piano has been drinking", do Tom Waits, feita nos idos de 1976. Apenas o usei porque um pudim em ternário resolveu beber quase meia garrafa de vinho, ao contrário de um qualquer seu irmão quaternário que se ficaria por duas latinhas de leite e a minha carpete precisava de aparar o pelo. Para se perceber a estória do ternário e quaternário, o melhor é ver o blogue do Luís, que publicou um Pudim de Leite Condensado que foi o mote para este pudim de leite condensado e moscatel da casa Ermelinda de Freitas. Quanto à necessidade da minha carpete ir ao cabeleireiro, o melhor é ler a letra da musica, but without fear of contradiction I say the pudding has been drinking...


Quanto à receita, é de uma simplicidade desarmante. Uma lata de leite condensado, uma outra medida da lata com ovos (5 ovos calibre L) e ainda outra medida da lata de moscatel (mais 17,5% para suprir o álcool que iria evaporar), o terceiro tempo do compasso ternário. Usei o moscatel de setúbal da casa Ermelinda de Freitas porque é interessante e sobretudo, barato (custa menos de cinco Euros cada garrafa). Tenho para mim que qualquer vinho que se use em preparações culinárias deverá ser um vinho sem defeitos, mas também me parece que as preparações pouco ou nada ganharão se se usarem vinhos mais complexos e naturalmente, muito mais caros (acerca deste tema, como não sei nada, até era interessante pedir opinião aos leitores, digo eu sem saber).

Bati o leite condensado com os ovos, deixei a repousar por um bocado e envolvi o moscatel na mistura. Deitei numa forma "untada" com caramelo (líquido, my fault) e levei ao forno a 150º C sobre um banho maria de tabuleiro de barro e com a forma coberta por folha de alumínio (just in case, já que não estava para acampar em frente ao forno). Ao fim de uma hora o pudim ainda estava crú, o que se terá devido à inércia térmica do tabuleiro, pelo que deixei mais meia hora, tempo suficiente para o pudim estar a gosto. Retirei do forno e deitei a forma sobre banho maria de água fria e depois no frigorífico. Quando o pudim estava frio, desenformei e servi.


Acompanhei com o vinho do pudim, um moscatel honesto e simpático a que faltará porventura alguma acidez, precisando de ser bebido bem fresco. Ainda assim, é fresco e guloso, uma bela companhia para este excelente pudim.