sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A Mão que embala o Tacho | Quinta da Mimosa 2007

No vasto mundo das sopas há uma que me continua a fascinar. Sopa que quase não o é, que se começa a preparar como uma feijoada e que consegue ser reconfortante como a melhor comida de tacho. É ter carnes de porco (orelheira, toucinho/faceira, entrecosto) que se deixam em sal de um dia para o outro e que são demolhadas e postas a cozer. Junta-se um bom chouriço de carne e quando as carnes estão cozidas, retiram-se e cortam-se em bocados. Idem para o chouriço que se corta em rodelas. O caldo da cozedura passa-se por uma rede metálica para coar as impurezas que se formaram.
Pica-se grosseiramente cebola até cobrir o fundo da panela, junta-se uns dentes de alho esmagados, rega-se generosamente com azeite e leva-se a lume médio até a cebola ficar translúcida. Deitam-se as carnes e deixam-se ficar uns minutos a corar no azeite. Adiciona-se água da cozedura das carnes (querendo, também polpa de tomate), feijão vermelho previamente cozido e umas folhas de couve galega partidas grosseiramente. Deixa-se em lume brando uns dez minutos e junta-se um pouco de massa (macarrão, curvas, massa meada). Tempera-se com sal (se necessário), pimenta e cominhos moídos. Quando a massa estiver cozida, desliga-se o lume e serve-se. Ou melhor, guarda-se e serve-se aquecida no dia seguinte, que é quando esta sopa é melhor.  



Naturalmente, esta sopa constitui por si uma refeição e pede um acompanhamento vínico. Escolhi um vinho da Casa Ermelinda de Freitas, feito com uvas de vinhas velhas de Castelão plantadas em solos arenosos de Fernando Pó, o Quinta da Mimosa 2007. Situado, em termos de preço, ao nível do Ermelinda de Freitas Reserva, este varietal de Castelão é macio, macio, macio. Não muito carregado na cor, algumas notas vegetais, fruta bem madura e algo especiado, com taninos finos e domados, madeira muito bem integrada, é um vinho que se bebe com muito prazer. Mais uma (para mim) excelente escolha, ao preço (a rondar os € 7,00). 


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Alfredo, Marceneiro toda a Vida, para cantar o Fado até à Morte | 12ª Trilogia, a do Fado

Alfredo era marceneiro e fadista e quase sem sair de Lisboa durante os muitos anos que viveu, terá sido uma das pessoas que mais marcou o fado tal qual o conhecemos hoje. Na verdade, Alfredo é quase tão velho como o fado e um dos seus grandes amigos do peito. Tratavam-se cumplicemente por tu e falar do fado sem falar do Alfredo não é falar do fado. Homem simples, o Alfredo era encadernador e fez-se marceneiro para melhor poder cantar o fado. Mais tarde deixa a marcenaria e torna-se num não mercenário do fado, antes uma das suas mais ilustres figuras. Antes de ser Marceneiro era Lulu, alcunha que lhe foi dada pelo seu gosto por roupas vistosas. Apaixonado e namoradeiro, teve várias aventuras e dois filhos, antes de unir o seu destino a Judite, com a qual teve mais três filhos e a companheira da sua vida. Era um homem de hábitos, que se deitava todos os dias religiosamente às nove da manhã. Cantava porque e quando queria e não gostava de ser obrigado a cantar, mas quando cantava era toda uma torrente de fado que emanava de si. Tudo aquilo que choramos, toda a nossa melancolia, toda a nossa grandeza está no fado e no Alfredo, como se o fado e o Alfredo fossem a mesma coisa.

Foi este pequeno texto que escrevi há uns dias que serviu de mote à 12ª trilogia, com a Ana e o Luís. Na verdade, quando há umas duas semanas a 2 passou uma série de documentários sobre o Fado, com guião do Prof. Rui Vieira Nery e apresentação do Carlos do Carmo e inseridos na candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade apresentada à UNESCO, lembrei-me de propor um desafio que fosse além de um prato ou ingrediente específico e propus que convidássemos um(a) fadista para jantar. E escolhi o Alfredo Marceneiro, talvez porque é dos grandes fadistas, um dos que mais mal conheço e queria, virtualmente* aproveitar o “jantar” para aprender mais coisas sobre essa canção que rima com Lisboa e cheira a ela.



Alfredo Marceneiro

Mas não o podia convidar para jantar e oferecer-lhe os petiscos usuais da tradição das Casas de Fado e que o Luís muito bem ilustrou no seu post (às vezes penso que estas trilogias se fossem combinadas não saíriam melhores), pelo que o jantar, foi quase um anti-jantar (mas que estou convicto de que seria do agrado desse grande vulto do Fado).

Começámos por abrir um vinho branco, que seria a companhia para o jantar, um Quinta das Bágeiras Garrafeira 2002 em Magnum, talvez o maís atípico dos Garrafeiras Brancos do Mário Nuno, mas que, também talvez pela atipicidade do ano, é dos que mais me agrada. Não terá a elegância do 2004 ou do 2007, mas é pujante, grande, grande vinho...


 Para começar, um Creme de Marisco, feito com camarões, mexilhões e ameijoas. Cozi os mariscos, tirei os mexilhões e as ameijoas das cascas e descasquei os camarões. Reservei. Juntei as cabeças dos camarões à água da cozedura e deixei em lume brando durante perto de uma hora para melhor extraír os sabores. Num tacho, deitei um fundo de azeite, um dente de alho esmagado, uma cebola picada e deixei a cebola ficar translúcida. Adicionei polpa de tomate e deixei refogar ligeiramente em lume brando; juntei o caldo da cozedura dos mariscos, passei a varinha até obter um creme e juntei os mariscos reservados. Temperei com sal e pimenta branca qb. Servi com uns tocos de pão torrado e umas folhas de hortelã para refrescar.   




Depois, foi a vez do prato principal, uns

 Escalopes de porco enrolados e recheados com presunto e queijo de São Jorge estufados em molho de tomate e champignons e acompanhados por esparguete cozido al dente e aromatizado com queijo de São Jorge e salada de verdes temperada com azeite e flor de sal.  



Um prato banal e inspirado nos estereótipos da cozinha Mediterrânica e Italiana, mas que se revelou delicioso. Uns simples escalopes da perna do porco que cobri com uma tira de presunto e queijo de São Jorge e que enrolei. Fechei-os com um palito, alourei-os em azeite e reservei. Piquei uma cebola para um tacho de fundo grosso, juntei um pouco de alho esmagado, o azeite onde alourei os bifes enrolados e levei o tacho a lume brando até translucidar a cebola. Juntei polpa de tomate, pimenta preta, uma folha de louro e os bifes. Deixei em lume brando cerca de uma hora. Juntei champignons de Paris cortados em fatias finas, deixei uns cinco minutos, desliguei o lume e deixei harmonizar os sabores. Acompanhei com esparguete cozido al dente em água e um fio de azeite e aromatizado com queijo de São Jorge ralado e uma salada de verdes (e vermelhos)...


Entretanto, a Magnum de Bágeiras tinha acabado e na linha de vinhos brancos com alguma idade, resolvi abrir um Quinta da Murta Reserva 2005. Depois do Bical e Maria Gomes das vinhas velhas da Fogueira, as uvas de Arinto de Bucelas da Quinta da Murta. Mais um vinho feito para aguentar uns anos em cave e que surpreendeu pela positiva. Ainda fresco e já com a complexidade dum branco "velho" será um vinho a voltar a provar...



Para sobremesa, um clássico, Marrons Glaceés. Gostava de as ter feito em casa, mas desta vez optei pela facilidade da compra e servi umas Espanholas, vendidas em frascos em qualquer loja gourmet ou num hipermercado Jumbo... 





Para acompanhar as castanhas, demos a volta ao largo de Lisboa e passámos de Bucelas a Azeitão. Dum Arinto a um Moscatel Roxo com quase 20 anos. Um vinho da JP Vinhos que (tanto quanto sei) já não se faz e que tinha uma relação qualidade/preço invejável. Untuoso, com boas notas de frutos secos e especiarias, algo delgado de corpo mas com um belo final, é um belo exemplo de um Moscatel Roxo.  



* na verdade limitei-me a fazer ler umas coisas para ficar a saber um pouco mais da história do fado e deste magistral fadista.   

    
Com lídima expressão e voz sentida

Hei-de cumprir no Mundo a minha sorte

Alfredo Marceneiro toda a vida

Para cantar o fado até à morte.



Orgulho-me de ser em toda a parte

Português e fadista verdadeiro,

Eu que me chamo Alfredo, mas Duarte

Sou para toda a gente o Marceneiro.



Este apelido em mim, que pouco valho,

Da minha honestidade é forte indício.

Sou Marceneiro, sim, porque trabalho,

Marceneiro no fado e no ofício.



Ao fado consagrei a vida inteira

E há muito, por direito de conquista.

Sou fadista, mas à minha maneira,

À maneira melhor de ser fadista.



E se alguém duvidar crave uma espada

Sem dó numa guitarra para crer,

A alma da guitarra mutilada

Dentro da minha alma há-de gemer





Gostei muito desta trilogia e ficarei a aguardar a próxima, desta vez a proposta da Ana.


segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Revuelto de Ovos com Bacon e Cogumelos

Há refeições simples, quase demasiado simples para merecerem um qualquer relato num qualquer blog, mas também há refeições que sem terem história, são propagadas aos quatro ventos e encontram ecos de preparação e respectivo coro unânime nos quatro cantos de qualquer território que se escolha.

Curiosamente, neste rectângulo, devemos estar à beira de entrar no livro do guiness, não por termos o recorde de pratos lavados com uma embalagem de um detergente da loiça (os gajos do Fairy retomaram o anúncio das 3 aldeias espanholas), mas pela quantidade de bimbys que pululam na blogosfera e fazem as delícias de quem nunca aprendeu a cozinhar e que acha que, por ter largado quase mil euros numa coisa que pouco mais serve do que para manter molhos em condições de servir ou fazer uma sopa, ganhou um diploma de "chef" na lotaria.
E quem nunca aprendeu a cozinhar e usa a bimby para fingir dotes de cozinha, diria que um livro de culinária sai mais barato e é muito mais instrutivo (e até deixa que se faça figura de parva/o); a quem sabe cozinhar e comprou, digo que devia criar um blogue para elucidar as pessoas da vantagem da maquineta, mas isto deve ser como a demanda do Santo Graal, já que quem sabe cozinhar tem vergonha de admitir que estoirou quase mil euros numa panela parva (apesar de todas as funções extra). Por ultimo, quem sabe cozinhar muito bem, aprendeu todas as técnicas e até acha piada à maquineta (Férran Adrià tinha 6 no El Bulli) usa-as para fins profissionais numa cozinha que está a milhas de distância de qualquer cozinha do que se chamou a das "bimbólicas" e que é triste, porque divulgadora de receitas sem génio nem ideias e que até consegue quase contribuir para que muitas pessoas que até se iniciariam nos tachos optem pela aparente facilidade dos recursos que a panela aparenta oferecer. A muito custo, claro.

Como gosto de cozinhar, usei a minha frigideira para fazer uma receita que no vocabulário das bimbólicas seria qualquer coisa à Brás (coitado do senhor, que deve dar voltas no túmulo sempre que vai ver as porcarias que fazem invocando o seu nome), neste caso, cogumelos. Mesmo sem as batatas palha, isto podia ser cogumelos à Brás, mas aqui foi um simples refogado de bacon e pleurotus num fio de azeite e um dente de alho esmagado e fatiado fino, a que juntei ovos previamente batidos e temperados com um pouco de sal e pimenta preta. Tomate chucha e azeitonas a cercar o prato e uma fatia de broa a acompanhar...

Na verdade, não é muito mais do que ovos mexidos, ou ovos revueltos, como se fazem em Espanha :)      

Ferreira LBV 2000

Portugal produz grandes vinhos fortificados. Os Portos, os Moscateis (de Setubal e do Douro) e os Madeira serão dos melhores vinhos fortificados do mundo, mas estranhamente a grande fatia do nosso consumo será a de portos tawny novos, quentinhos e servidos em... (dedais?) brindes e festas... O moscatel básico de Favaios, esse, é servido fresco e misturado com cerveja. Já os Moscateis velhos, os Vintages, os Tawnies Velhos e os Madeira serão uns quase ilustres desconhecidos. Pelo preço? Sim, mas muito mais pela falta de cultura/divulgação destes nectares únicos que, salvo melhor opinião, fazem mais por Portugal no mundo do vinho do que os nossos vinhos de mesa todos juntos (Mateus Rosé incluido, já agora...)   

Há basicamente dois tipos de vinho do Porto, o Tawny, que envelhece em madeira e o Ruby, que envelhece na garrafa.

Nos tawnies, para além dos correntes, temos os vinhos com indicação de idade (tintos e brancos e que são vinhos de lote, ou seja vinhos provenientes de colheitas diferentes que são loteados, obtendo-se assim vinhos com idades médias de 10, 20, 30 ou 40 anos) e os vinhos duma colheita específica (os colheita). Todos estes vinhos envelhecem em madeira e vão sendo loteados e/ou engarrafados à medida das solicitações do mercado e em geral não ganham nada em ficar guardados na garrafa.
Nos Ruby' s, temos os correntes, os reserva (vinho loteado) e as categorias "superiores", o LBV (late bottled vintage) e o Vintage. O LBV é seleccionado a partir de lotes de vinho de uma só colheita e engarrafado 4 a 6 anos depois da vindima. Já o Vintage, é feito a partir das melhores uvas provenientes da mesma colheita e engarrafado 2 a 3 anos após a vindima. 

Sendo o Vintage e o Tawny com alguma idade (30 e 40 anos) vinhos que, pelo seu preço ficam fora do alcance dum consumo regular, ficamos com os LBV' s e os tawnies mais novos (10 e 20 anos) que por um preço razoável (entendendo-se por razoável o que qualquer pessoa possa ou esteja disposta a pagar) que já dão muito prazer na prova.

É o caso deste Ferreira LBV 2000. Feito com Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinta Roriz, Tinta Barroca, Tinta Amarela e Rufete provenientes de uvas do Cima Corgo e do Douro Superior e vinificadas nas Quintas do Seixo e da Leda, foi depois transportado para as caves da Sogrape em Gaia, onde estagiou em vasilhas de carvalho até ser elaborado e engarrafado o lote final, em 2004 e sem estabilização pelo frio, pelo que pode precisar de ser decantado devido ao depósito (decantei para arejar mas tinha pouco depósito, embora outras garrafas possam ter mais).

É um vinho retinto, ainda cheio de fruta com os 6 anos que leva na garrafa e com os taninos domados, o que o torna num vinho fácil e muito agradável na prova. Como qualquer vinho que se preze, merece ser provado à temperatura certa (14º C ou seja, refrigerado) e num copo minimamente decente (não precisa de ser um Riedel de topo, basta um copo de pé de vidro transparente, como o do Arq. Siza para vinho do Porto ou mesmo alguns copos quase low cost, desde que transparentes e de formato adequado). Por cerca de € 13,00 tem-se um LBV já com uns anos em garrafa (neste momento temos os 2005 e 2006 no mercado) muito polido e distinto. Uma escolha mais que segura. Um senão? Deve ser consumido num prazo de 24 horas (ao contrário dos tawnies e dos moscateis que conseguem manter as suas características por mais tempo no frigorífico, os Vintages e LBV' s são muito mais frágeis e depois de aberta a garrafa, o melhor é mesmo consumir o vinho rapidamente; claro que se sobrar, as preparações culinárias irão agradecer...), mas parece que não há Bela sem Senão...  


sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Ventresca de Atum em Salada | Soalheiro 2010

Já não é a primeira vez que por aqui vou fazendo o elogio das conservas de peixes. Não todas, naturalmente, mas há muitas que se prestam a preparações deliciosas. E no mundo das conservas, há uma que é quase incontornável, a de ventresca de atum, a barriga, com um sabor mais rico e delicado que os filetes do lombo e uma textura firme (apesar do maior teor de gordura) a pedir para ser servida sem desfazer o filete.

Nesta preparação, o mote foi uma garrafa de Alvarinho Soalheiro 2010 a pedir para ser provada e o acompanhamento, coisas simples... Uma salada de batatas cozidas com pele e que depois de lhes retirar a pele e as partir em pedaços, refresquei com um pouco de hortelã picada e maionese, umas tiras de maçã regadas com um fio de bom azeite e uma salada de verdes, com tomate e umas azeitonas, temperadas com um pouco de flor de sal e mais azeite (optei pelo azeite da Herdade dos Grous, um belo azeite Alentejano) e uns borrifos de vinagre das Bágeiras (um vinagre velho de 1991, feito pelo Mário Sérgio Alves Nuno e pelo Rui Moura Alves).



Bela preparação, com a ventresca da marca Pitéu a dar muito boa conta de si e a deixar brilhar este Soalheiro, versão 2010 que ainda não tinha provado. Desde 1992 que este vinho se vem afirmando como um dos melhores Alvarinhos portugueses, ou melhor dizendo, como um dos grandes vinhos brancos portugueses. Este 2010 aparece vegetal, com notas de rama de tomate no aroma, na boca continua algo vegetal a evoluir para fruta cítrica, ascético, mas a cair na boca que nem ginjas. Muito agradável, comprido, largo, pleno, pareceu-me melhor que o 2009. O preço subiu uma bica (agora ronda os € 8,45) mas o essêncial do vinho está lá, a força, a estrutura e acima de tudo, o grande prazer que dá a beber. Grande vinho...  

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Callos con Garbanzos | Vallado Tinto 2009

Mais uma quarta feira e mais uma trilogia, agora a 11ª, com a Ana e o Luís... O tema desta semana, proposto pelo Luís, foram as leguminosas. Havia uma infinidade de possibilidades para este tema e eu resolvi fazer um dos clássicos da "comida de tacho", os Callos con Garbanzos. Este é um prato que requer algum tempo de execução, mas é simples, muito simples de fazer...

Comprei uma mão de vitela, limpa, desossada e devidamente cortada ao meio no sentido longitudinal e tripas (dobrada) também já limpas (pança, folhos e favos) que levei a cozer em água com um pouco de sal. Levou cerca de duas horas a cozer (em panela "normal" já que numa panela de pressão o processo será mais rápido). Reservei o caldo da cozedura e cortei as tripas e a mão da vitela em pedaços.
Num tacho de fundo espesso, piquei cebola, juntei uns dentes de alho esmagados e um generoso fundo de azeite. Levei a lume médio, deixei a cebola alourar, juntei chouriço em rodelas, polpa de tomate, uma folha de louro, um pouco de pimentão doce e um pouco de vinho branco e deixei a estufar em lume muito brando cerca de meia hora. Depois juntei o grão de bico (que deveria ser demolhado e cozido, e foi, mas industrial, do de frasco, mas nestas coisas pode-se sempre aplicar a frase: olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço...), temperei com pimenta preta, dois cravinhos e cominhos moídos e deixei harmonizar sabores. Podia ter servido logo, mas depois de arrefecer guardei no frigorífico e aqueci no dia seguinte. Este é um daqueles pratos que é melhor quando aquecido... 


Este prato Andaluz, apesar de ser de simples execução, é um dos melhores exemplos de confort-food que conheço. Mais rico que a mão de vaca com grão e mais pobre que as tripas cá do Burgo, encontrou um equilibrio quase perfeito entre a riqueza do caldo (quase gelatinoso, delicioso) e a simplicidade dos ingredientes. Para acompanhar este prato escolhi um vinho mais que consensual, o Vallado 2009, da Quinta do Vallado, que foi de Dona Antónia Adelaide Ferreira e que permanece na posse da família há seis gerações, com Francisco Ferreira na gestão da quinta e Francisco Olazabal (Quinta do Vale do Meão) na Enologia. Este é um vinho feito com Tinta Barroca, Tinta Roriz, Touriga Franca, Touriga Nacional e Sousão. Tem uns robustos 14,5º de álcool, concentrado na cor e fácil de beber e gostar. Fosse um pouco mais fresco e menos guloso e era um vinhão... Que dizer? É um dos clássicos do Douro e uma escolha mais que segura, ao preço (cerca de € 7,00). 

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Entrecosto com Morcela da Guarda | Álvaro de Castro Dão 2006

Este entrecosto é um remake de um outro que já tinha apresentado aqui há quase três anos e que foi originalmente publicada pelo Luís no blogue Comidas Caseiras (here). Uma preparação simples e deliciosa. Na prática, trata-se de entrecosto cortado em paralelipípedos pequenos e marinado em vinha de alhos que é frito em banha de porco e depois finalizado no forno, juntamente com a morcela da guarda a assar no molho do entrecosto.    


Na versão original tinha usado umas morcelas feitas pelo meu pai, fantásticas e que aguentaram perfeitamente a assadura sem rebentarem. Nesta, usei uma morcela da Guarda feita na Guarda e que rebentou por todos os lados, como se esperaria de um produto industrial ainda que feito dentro das apertadíssimas exigências da ASAE, que, calma e paulatinamente vai destroçando o nosso património de coisas "caseiras" a bem de uma higiene e segurança, cuja alegada falta nunca terá matado ninguém, mas que certamente contribui para uma quase irreversível perda, não das melhores preparações artesanais (pelo menos, a curto prazo), mas do acesso a essas preparações ao comum dos mortais. Garantidamente a morcela que usei levava 5 a 0 (onde é que eu já ouvi isto?) da que tinha usado há três anos, mas o essencial estava lá... carne e gordura de porco, pão, cominhos e mais algumas coisas... Mas que era má, era.



Para acompanhar, batatas cozidas e umas folhas de couve galega (portuguesa) que, não tendo a acidez dos grelos, também são um bom acompanhamento. E um vinho de Pinhanços e de Álvaro de Castro. Voltei a provar este Dão 2006 que apareceu inicialmente algo confuso e com uma doçura residual nada agradável, pelo menos tendo em conta que tinha provado este vinho há menos de um ano (ici) e que tinha gostado. Arejei-o e lá melhorou, mas foi só no dia seguinte que estava "normal" depois de ter devolvido o resto para a garrafa e a ter deixado no frigorífico...    

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Há Quarta? Há. Há Trilogia? Há... E nesta há Pizza!

Mais uma quarta feira e mais uma trilogia, desta vez com a Ana a propôr a pizza como tema. Como não sou grande fã, esta acabou por ser uma trilogia bastante interessante, já que me fez descobrir o potencial da pizza (almost) home made e me deixou a pensar em inumeras formas de explorar o tema. Como nunca tinha feito pizzas em casa e não sou propriamente um adepto de meter as mãos na massa, lá fui encomendar massa de pão (para ser preciso, encomendei duas massas diferentes, uma de pão normal, bijou e outra de pão da avó, um pouco mais denso) que estendi com o rolo, na banca, polvilhada de farinha, numa espessura de cerca de 5 mm e que levei a pré cozer durante 3 minutos ao forno a 250º C.


Para o "molho", estufei ligeiramente tomate e cebola num pouco de vinho branco, aromatizei com orégãos secos e passei a varinha até obter um molho homogéneo.  


Depois, foi só finalizar a pizza. Esta que apresento podia chamar-se 3 ás (ou AAA), já que levou azeitonas, anchovas e alcaparras. Usei também queijo de São Jorge ralado, em vez do mozzarella. A pizza ficou agradável, mas o queijo de São Jorge impôs demasiado o seu gosto e a sua gordura enquanto a pizza estava quente, melhorando substancialmente à medida que ia arrefecendo. Foi uma experiencia piloto, a repetir, indubitavelmente...


Em nota final e já que tinha massa de pão, aproveitei para fazer uns pãezinhos regados com um fio de bom azeite e azeitonas que estavam deliciosos e me fizeram esquecer os do Pingo Doce, que de azeite e azeitonas pouco ou nada têm...

 

Para acompanhar a pizza, o Planalto Reserva 2009. Um vinho branco feito pela Sogrape no Douro. Viosinho, Malvasia Fina, Gouveio e Códega, sem madeira. Fresco, elegante, correcto. Um vinho abaixo dos € 5,00 que já não provava há muito tempo e que é sem dúvida, uma boa escolha.


E para a semana, haverá mais, desta vez a proposta do Luís...

domingo, 9 de janeiro de 2011

Bacalhau no Forno | Dom Ferro Avesso 2009

O bacalhau no forno é uma daquelas preparações simples, quase demasiado simples e que para ficar bem apenas precisa que se dê alguma atenção ao tempo que se deixa o bacalhau no forno. Este foi feito com o forno pré-aquecido a 170º. Cortei cebola em rodelas a cobrir o fundo dum tabuleiro de barro, juntei uns dentes de alho esmagados, batatas cortadas em bocados pequenos, pimento vermelho em tiras, pimenta preta, um pouco de pimentão doce em pó, azeite a cobrir o fundo e um pouco de vinho branco. Levei ao forno e quando as batatas estavam a começar a ficar macias, juntei o bacalhau e levei a finalizar (cerca de vinte minutos a 170º C, embora a temperatura e o tempo variem de forno para forno).  


Esta foi uma preparação feita para acompanhar um vinho relativamente pouco conhecido e que nesta edição de 2009 me encantou. Falo do Dom Ferro Avesso 2009. Feito na Quinta do Ferro, em Baião, na região dos vinhos verdes, mas na fronteira com o Douro e duma casta que raramente aparece a solo: o Avesso. Lembro-me de ter provado este vinho algumas vezes (de colheitas anteriores) e de nunca ter ficado rendido aos seus encantos. Foi desta... Muito bom no nariz com notas cítricas, maçã e algum tropical e com uma largura e profundidade de boca notáveis. E é incrivelmente fresco e tem uma acidez que casou na perfeição com um prato a que eu associaria duma forma mais natural um vinho com alguma idade e estágio em madeira. Se a colheita de 2010 estiver a este nível, será sem dúvida um dos vinhos do verão. E custa cerca de € 5,00...  

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Nona Trilogia, a das Quartas e um Bife ou Tournedos a roçar o Rossini

Esta semana foi a minha vez de propor o tema à Ana e ao Luís. E propus, o bife. E bifes, há muitos, quase tantos como os chapéus; efectivamente, desde o bife tártaro aos bifes de Hamburgo, do bife Wellington aos Tournedos, da posta Mirandesa aos bifes de Café, do Steack au poivre ao bife com três, cinco ou sete pimentas, da picanha ao bitoque, é toda uma miríade de possibilidades que um bom naco de novilho nos pode oferecer para explorar. 

Por mim, que não desdenho um bom bife (pena é que a boa carne esteja cada vez mais arredada dos pontos de venda da nossa mais que formatada distribuição - embora a do Pingo Doce seja superior à média, IMHO) lá me tentei a fazer uma variação sobre um tema de Rossini, não de uma das suas composições musicais, mas de uma criação culinária, que o homem gostava de e sabia comer. Do clássico Tournedos Rossini, retive o básico dos acólitos mas em vez do foie gras usei rillette de ganso da Bizac e em vez das trufas usei uns muito mais baratos e democráticos champignons de Paris (e de estufa, já agora...). Comprei uns bifes altos do pojadouro da vitela e lardeei-os com bacon. Levei-os à chapa bem quente por cerca de um minuto de cada lado, temperei com flor de sal e reservei-os num prato dentro do forno a 50º C. Para os bifes, uns pedaços da rillette e os cogumelos cortados em quatro, salteados em manteiga e alho esmagado, um ar de pimenta preta e uma colher de sopa de natas. O acompanhamento ficou a cargo de umas batatas cozidas al dente com pele que depois cortei até obter uns paralelipípedos que levei a alourar em óleo quente. Para completar o prato, tomate chucha do Oeste cortado em quartos e rabanetes temperados com um fio de azeite e flor de sal. Para o prato ficar com uma apresentação à altura, faltaram as folhinhas e uns toques de uma qualquer espuma para dar um ar "gourmet" (termo que abomino, mas que quem não sabe o que é gosta de usar, talvez por não saber o que é e soar bem dizer palavras estrangeiras, mas isto digo eu sem saber). Como isto era apenas um bife, saiu para a mesa despido de aparatos pirotécnicos refugiando-se na velha frase de Ludwig Mies Van Der Rohe, infelizmente tão pouco na moda nestas coisas da cozinha: less is more... Mas gostei do efeito lagarta das batatas, do tomate e dos rabanetes a rondar o bife ;)     

sábado, 1 de janeiro de 2011

Fontanário de Pegões 2008 a entrar em 2011

Tenho para mim que ser enófilo implica percorrer um longo caminho, aprender muito e acima de tudo gostar de vinho. Não do vinho escort [que tanto pode ser o do garrafão ou da BIB que sempre acompanhou obrigatoriamente a refeição, como pode ser um Barca Velha (diluido ou não em água e/ou gelo) ou ainda um qualquer rótulo sonante ou uma exquisite botlle que fique bem numa mesa de restaurante, ou ainda e simplificando, o vinho mais caro da Carta de um qualquer Restaurante Inimigo do vinho que até pode pedir mais de € 15,00 por uma garrafa de Monte Velho servido em Copo de Três (é só um exemplo, que o vinho bebe-se com prazer, ao preço, mas não em maus copos nem a € 15,00) bem quentinho (e parece que pedir para chambrear um vinho que já está a mais de 20º C é muito mais chique do que pedir um frappée para o beber a uns mais decentes 16/18º C)] mas de vinho, tout court, sem mais. Claro que no início da caminhada enofílica, a tentação é a de provar todos os vinhos que tenham levado prémios ou que tenham rótulos (muitas vezes) pour épater le bourgeois e apenas para se dizer: este já provei. Mas à medida que se vão coleccionando referências, rótulos, vinhos medalhados (e depois de muitos Euros gastos) entra-se num outro nível, onde o que mais interessa são as pechinchas, aqueles vinhos que conseguem ter um preço bomba e uma qualidade ao nível de outros que custam o dobro, o triplo, ou até mais. Claro que estes serão os vinhos naturais do enófilo que procura tirar o maior prazer dos vinhos que prova sem gastar fortunas. E há vinhos que conseguem brilhar e que não custam fortunas (podem até não ganhar concursos, mas à mesa muitas vezes proporcionam mais prazer do que os seus irmãos que vestem de ouro e lantejoulas e com preços a condizer). Esse será o nirvana do enófilo, descobrir um vinho que envergonha as vacas sagradas, embora o enófilo continue a andar atrás das ditas vacas.

Mas ser enófilo é estar algo fora da çena, é ser nerd, pricipalmente para os escorters que querem é alegremente despejar os seus copos e para os outros todos que quando compram um vinho o fazem, não pelo antecipado prazer da prova, mas pelo preço (e aqui andamos nos extremos, algo entre abaixo de 2 ou acima de 30 euros) ou região (e pelo rótulo). Os vinhos bem feitos e com preços decentes ficam assim arredados da esmagadora maioria dos consumidores. Os que nivelam por baixo (a maioria) lá vai conseguindo beber vinhos com menos defeitos do que os que bebiam há uns dez anos atrás (mas nem se devem aperceber) e os que nivelam por cima podem comprar os vinhos de topo (para chambrear ou juntar umas pedras de gelo) a preços mais em conta (excepto nos restaurantes, mas isso não importa nada e o que é caro é que se vende). Olhando para a forma como os vinhos rodam num qualquer super ou hipermercado, os vinhos de que os enófilos gostam são vendidos a conta gotas e isso leva a crer que a RV tem pouco impacto na educação do gosto e que os blogues de vinhos não terão nenhum (em Portugal, naturalmente). Nas garrafeiras, o panorama será algo diferente, mas a avaliar pela quantidade de garrafeiras a fechar, também é de crer que a penetração no mercado é residual (excluindo as ofertas de Natal, naturalmente, mas aí, nem quem oferece nem quem recebe saberá muito bem o que está dentro das garrafas). 

Assim, o enófilo como missionário, não funciona. Aliás, o grande mercado está dominado por meia dúzia de cadeias de distribuição que vendem os mesmos produtos a preços similares, o que irá condicionar a escolha e o gosto do consumidor. A função social do enófilo, ainda mais quando blogger, resume-se a deixar umas notas de prova e opiniões que servem muito mais como memória pessoal do que como referências de compra (tirando a centena de pessoas que se acreditarem numa nota de prova positiva, lá irão comprar uma garrafa para provar um vinho, mas seguramente essa mesma centena de pessoas já deve conhecer o vinho e ter comprado a sua caixa ou garrafa para provar, pelo que a mensagem acaba por ser estéril).  

Ainda assim e apesar de tudo, está na moda falar de e em vinho. Até a Proteste, do alto da sua pseudo sabedoria e isenção vai pegando numas garrafas de vinho que leva para o laboratório e o analisa. Também o dá a provar a dois grupos de paineleiros, uns amadores e outros "profissionais" e organiza uma lista (sem que se perceba a forma como os vinhos são hierarquizados - será pelo teor alcoólico, pelo rótulo?) que dá lugar a conclusões tão patetas como o Uvas Douradas do Lidl ser superior a um Diga? ou um Terras d' El Rei poder ser uma escolha acertada face a um Esporão Reserva ou um Pera Manca, como tinha referido aqui. Na edição de Dezembro de 2010 viraram-se para os Vinhos da Penísula de Setúbal (escolheram 45 vinhos) e o mais bem classificado foi um Vinha Val dos Alhos Castelão 2008 que custa € 4,95. Pelo nome não chegava lá, mas via Google lá percebi que é um vinho da Casa Agrícola Horácio Simões, que apenas conhecia como produtor de Fortificados de Moscatel. O vinho, esse continua a ser um perfeito desconhecido, já que não aparece em nenhum dos Guias onde o procurei (JPM, vinhos de Portugal 2011, incluído) e também nunca o vi à venda. Pouco surpreenderam os vinhos notados logo a seguir, com o DSF colecção privada Syrah 2004 e os Cabernet Sauvignon e Syrah 2008 da casa Ermelinda de Freitas a ocuparem os lugares seguintes. Surpreendente, foi o Fonte do Nico Castelão ter aparecido em 8º lugar, o Adega de Pegões em 13º e o JP em 14º, acima de vinhos como o Soberanas XS, o Domingos Damasceno de Carvalho, o Herdade de Portocarro, o Má Partilha, o Soberana ou o Trincadeira da Casa Ermelinda de Freitas. Mas mais surpreendente mesmo foi ver nos ultimos lugares, vinhos honestos, bem feitos e com uma boa relação qualidade preço, como o Adega de Pegões Colheita Seleccionada 2007 (provado recentemente aqui) em 43º e o Touriga Nacional da casa Ermelinda de Freitas 2008 (provado aqui) em 44º lugar. Já agora, como tinha gostado dos vinhos que os iluminados da Proteste classificaram pior, restava-me provar o vinho que ficou em ultimo lugar na classificação, o Fontanário de Pegões (o da lista era o 2007 e eu provei o 2008 e não acredito que haja uma variação grande de colheita para colheita em vinhos desta gama, pelo que as diferenças serão marginais) a ver se conseguia agradar mais do que o Fonte do Nico, o Serras de Azeitão ou o JP (que até são bons para cozinhar). E naturalmente agradou. Ao preço (€ 2,49), é um vinho de combate. Muito cordato, simples mas agradável, com os taninos domesticados, é um Castelão (com um pouco de Touriga Nacional) fresco e fácil de beber. Porque é que terá ficado em último? Não sei nem vou perder tempo a comparar o vinho com o Adega de Pegões que custa metade do preço e ficou em 13º lugar. Apesar do preço...