sábado, 1 de janeiro de 2011

Fontanário de Pegões 2008 a entrar em 2011

Tenho para mim que ser enófilo implica percorrer um longo caminho, aprender muito e acima de tudo gostar de vinho. Não do vinho escort [que tanto pode ser o do garrafão ou da BIB que sempre acompanhou obrigatoriamente a refeição, como pode ser um Barca Velha (diluido ou não em água e/ou gelo) ou ainda um qualquer rótulo sonante ou uma exquisite botlle que fique bem numa mesa de restaurante, ou ainda e simplificando, o vinho mais caro da Carta de um qualquer Restaurante Inimigo do vinho que até pode pedir mais de € 15,00 por uma garrafa de Monte Velho servido em Copo de Três (é só um exemplo, que o vinho bebe-se com prazer, ao preço, mas não em maus copos nem a € 15,00) bem quentinho (e parece que pedir para chambrear um vinho que já está a mais de 20º C é muito mais chique do que pedir um frappée para o beber a uns mais decentes 16/18º C)] mas de vinho, tout court, sem mais. Claro que no início da caminhada enofílica, a tentação é a de provar todos os vinhos que tenham levado prémios ou que tenham rótulos (muitas vezes) pour épater le bourgeois e apenas para se dizer: este já provei. Mas à medida que se vão coleccionando referências, rótulos, vinhos medalhados (e depois de muitos Euros gastos) entra-se num outro nível, onde o que mais interessa são as pechinchas, aqueles vinhos que conseguem ter um preço bomba e uma qualidade ao nível de outros que custam o dobro, o triplo, ou até mais. Claro que estes serão os vinhos naturais do enófilo que procura tirar o maior prazer dos vinhos que prova sem gastar fortunas. E há vinhos que conseguem brilhar e que não custam fortunas (podem até não ganhar concursos, mas à mesa muitas vezes proporcionam mais prazer do que os seus irmãos que vestem de ouro e lantejoulas e com preços a condizer). Esse será o nirvana do enófilo, descobrir um vinho que envergonha as vacas sagradas, embora o enófilo continue a andar atrás das ditas vacas.

Mas ser enófilo é estar algo fora da çena, é ser nerd, pricipalmente para os escorters que querem é alegremente despejar os seus copos e para os outros todos que quando compram um vinho o fazem, não pelo antecipado prazer da prova, mas pelo preço (e aqui andamos nos extremos, algo entre abaixo de 2 ou acima de 30 euros) ou região (e pelo rótulo). Os vinhos bem feitos e com preços decentes ficam assim arredados da esmagadora maioria dos consumidores. Os que nivelam por baixo (a maioria) lá vai conseguindo beber vinhos com menos defeitos do que os que bebiam há uns dez anos atrás (mas nem se devem aperceber) e os que nivelam por cima podem comprar os vinhos de topo (para chambrear ou juntar umas pedras de gelo) a preços mais em conta (excepto nos restaurantes, mas isso não importa nada e o que é caro é que se vende). Olhando para a forma como os vinhos rodam num qualquer super ou hipermercado, os vinhos de que os enófilos gostam são vendidos a conta gotas e isso leva a crer que a RV tem pouco impacto na educação do gosto e que os blogues de vinhos não terão nenhum (em Portugal, naturalmente). Nas garrafeiras, o panorama será algo diferente, mas a avaliar pela quantidade de garrafeiras a fechar, também é de crer que a penetração no mercado é residual (excluindo as ofertas de Natal, naturalmente, mas aí, nem quem oferece nem quem recebe saberá muito bem o que está dentro das garrafas). 

Assim, o enófilo como missionário, não funciona. Aliás, o grande mercado está dominado por meia dúzia de cadeias de distribuição que vendem os mesmos produtos a preços similares, o que irá condicionar a escolha e o gosto do consumidor. A função social do enófilo, ainda mais quando blogger, resume-se a deixar umas notas de prova e opiniões que servem muito mais como memória pessoal do que como referências de compra (tirando a centena de pessoas que se acreditarem numa nota de prova positiva, lá irão comprar uma garrafa para provar um vinho, mas seguramente essa mesma centena de pessoas já deve conhecer o vinho e ter comprado a sua caixa ou garrafa para provar, pelo que a mensagem acaba por ser estéril).  

Ainda assim e apesar de tudo, está na moda falar de e em vinho. Até a Proteste, do alto da sua pseudo sabedoria e isenção vai pegando numas garrafas de vinho que leva para o laboratório e o analisa. Também o dá a provar a dois grupos de paineleiros, uns amadores e outros "profissionais" e organiza uma lista (sem que se perceba a forma como os vinhos são hierarquizados - será pelo teor alcoólico, pelo rótulo?) que dá lugar a conclusões tão patetas como o Uvas Douradas do Lidl ser superior a um Diga? ou um Terras d' El Rei poder ser uma escolha acertada face a um Esporão Reserva ou um Pera Manca, como tinha referido aqui. Na edição de Dezembro de 2010 viraram-se para os Vinhos da Penísula de Setúbal (escolheram 45 vinhos) e o mais bem classificado foi um Vinha Val dos Alhos Castelão 2008 que custa € 4,95. Pelo nome não chegava lá, mas via Google lá percebi que é um vinho da Casa Agrícola Horácio Simões, que apenas conhecia como produtor de Fortificados de Moscatel. O vinho, esse continua a ser um perfeito desconhecido, já que não aparece em nenhum dos Guias onde o procurei (JPM, vinhos de Portugal 2011, incluído) e também nunca o vi à venda. Pouco surpreenderam os vinhos notados logo a seguir, com o DSF colecção privada Syrah 2004 e os Cabernet Sauvignon e Syrah 2008 da casa Ermelinda de Freitas a ocuparem os lugares seguintes. Surpreendente, foi o Fonte do Nico Castelão ter aparecido em 8º lugar, o Adega de Pegões em 13º e o JP em 14º, acima de vinhos como o Soberanas XS, o Domingos Damasceno de Carvalho, o Herdade de Portocarro, o Má Partilha, o Soberana ou o Trincadeira da Casa Ermelinda de Freitas. Mas mais surpreendente mesmo foi ver nos ultimos lugares, vinhos honestos, bem feitos e com uma boa relação qualidade preço, como o Adega de Pegões Colheita Seleccionada 2007 (provado recentemente aqui) em 43º e o Touriga Nacional da casa Ermelinda de Freitas 2008 (provado aqui) em 44º lugar. Já agora, como tinha gostado dos vinhos que os iluminados da Proteste classificaram pior, restava-me provar o vinho que ficou em ultimo lugar na classificação, o Fontanário de Pegões (o da lista era o 2007 e eu provei o 2008 e não acredito que haja uma variação grande de colheita para colheita em vinhos desta gama, pelo que as diferenças serão marginais) a ver se conseguia agradar mais do que o Fonte do Nico, o Serras de Azeitão ou o JP (que até são bons para cozinhar). E naturalmente agradou. Ao preço (€ 2,49), é um vinho de combate. Muito cordato, simples mas agradável, com os taninos domesticados, é um Castelão (com um pouco de Touriga Nacional) fresco e fácil de beber. Porque é que terá ficado em último? Não sei nem vou perder tempo a comparar o vinho com o Adega de Pegões que custa metade do preço e ficou em 13º lugar. Apesar do preço...         

4 comentários:

  1. Vai demorar mais umas gerações para ficarmos educados a respeito do vinho, ou melhor, vai demorar mais umas boas e valentes gerações até ficarmos educados sobre tudo o que faz de nós humanos civilizados.

    Faz favor de continuar com as suas crónicas tão pessoais e tão "singelas" - fazem-me falta, não me deixam os neurónios aos nós cegos e deve haver mais gente que pensa como eu e que o continuará a ler sem o julgar ou maldizer !

    Obrigada e um bom 2011

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  2. Reflexões em jeito de balanço, com um pendor introspetivo e algo amargo mas sem dúvida a fazerem pensar pela lucidez e desassombbro, afinal as características que fazem talvez mais falta no mundo da enofilia, quase sempre atrofiado por uma necessidade estranha de exibição de jargões esotéricos que fazem da crónica enófila uma conversa de "velhos marretas" a dizerem umas coisas complicadas que só eles sabem o que querem dizer, afinal uma conversa tão elevada e técnica que ficará por certo entre eles, os iluminados que percebem aquele calão todo mas que não conseguem perceber que deveriam talvez saber falar a língua do mortal destinatário da mensagem, fator indispensável a qualquer comunicação.
    O Cupido, não sendo totalmente isento de culpas neste aspeto do esoterismo de elite da enofilia, tem o mérito de ser capaz de fazer perceber a quem o lê e é um simples "gostador" de vinho(eu) o que pode esperar de um vinho e isso é uma ajuda mil vezes mais importante que mil RV's.
    A propósito de Pegões, bebi ontem um branco Adega de Pegões, Colheita Selecionada 2009, feito com arinto, chardonnay e antão vaz e que, independentemente de qualquer classificação que tenha tido, levou um MB (vulgo muito bom)do meu mestre e senhor, o D.Palato!

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  3. Não vou dizer nada que já não saibas, não só mas também porque não é a primeira vez que o digo: escreves bem!
    Beijinhos.

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