Tenho um especial gosto pelo receituário tradicional da beira alta. Há ali alguma contenção ao nível das preparações, mesmo em períodos de festa, que não (a)parece tão patente nas demais regiões, mas que ainda assim demonstra que com poucos meios se podem fazer grandes coisas.
Dessas preparações, são os bifes de presunto um belo exemplo (aliás, transversal ao território mais a norte). Será estranho hoje pensar-se em fazer um presunto, para a seguir lhe demolhar umas fatias e o servir embifado. Poderá até parecer um contra-senso, mas acredito que há cem anos, seria um pitéu e até comida de festa.
Tomem-se fatias de presunto grossas (com a espessura de um dedo, ou seja, a rondar o centímetro e cada uma com cerca de 150 g) e demolhem-se de um dia para o outro (com os actuais presuntos industriais correntes, meio dia é mais que suficiente). Depois, sequem-se e batam-se. Temperem-se com pimenta preta (tradicionalmente em grão e eu usei moída, cruxificainde-me), louro (também não tirei os veios tóxicos, cruxificainde-me) e alho esmagado e deixem-se umas horas a tomar o tempero.
Tome-se uma frigideira e deite-se-lhe banha a aquecer (trazei a cruz que usei azeite e além disso juntei o tempero dos bifes para aromatizar a gordura, tendo, apesar de tudo, tido o cuidado de remover alhos e louro antes que os alhos queimassem) e em estando bem quente, juntem-se-lhe os bifes e fritem-se dos dois lados até estes estarem dourados. Adicione-se vinho branco e deixe-se ferver.
Entretanto, escolheram-se batatas que se cozeram com a pele. Depois de cozidas, pelem-se e deitem-se num prato. Juntem-se os bifes e regue-se com o molho.
A receita de base é a transcrita da Cozinha Tradicional Portuguesa de Maria de Lourdes Modesto, também referida nos Sabores que os Vinhos Dão, de que falei aqui. As adaptações ficaram a cargo do meu livre alvedrio e os bifes, para que conste, são bons.
Ainda em relação ao citado "Sabores que os Vinhos Dão", Hélio Loureiro recomenda um vinho do Dão e de Touriga Nacional. Nada contra, naturalmente, mas preferi confrontar o prato com um vinho estrangeiro, de casta estrangeira e do terroir de Jaime Quendera. Este Adega de Pegões Syrah 2009 feito na península de Setúbal complementou muito bem o prato da terra alta com as suas notas gulosas de fruta bem madura, com algum chocolate e muito sul quente. Complementaram-se :)