quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Arroz de Entrecosto | Alentejo Reserva Tinto Pingo Doce 2010

Depois de ter provado o Dão, o Douro e o Palmela, todos reservas, todos tintos e todos do Pingo Doce, ficou a faltar o do Alentejo. Enologia de Mário Andrade com produção da Falua, apenas refere que é feito com as castas típicas da região. Como os outros todos são vinhos que de algum modo expressam a região de nascença, não seria difícil prever que este não seria diferente, pelo que a vontade maior foi estabelecer uma harmonia com um prato pesado e muito condimentado, ao nível de um vinho que ostenta no rótulo a etiqueta de "reserva" e é da colheita de 2010 (é afinfar-lhe com muito tempero que acabamos todos num mar das índias) já que bons e sólidos taninos e muita fruta bem amadurada e muito corpo ele teria.

Fiz um arroz de entrecosto. Entrecosto de porco (do do Pingo Doce, há que respeitar o terroir, ainda que neste caso o terroir menos obvio e mais palerma, o da cadeia de lojas) que deixei umas seis horas a marinar em vinho (restos das garrafas de tinto que vou guardando) e alho. Chegada a hora do confronto com o tacho, o de fundo espesso devidamente acolitado com um fundo de banha de porco e sentado em lume esperto, lá foram os pedaços de entrecosto a alourar alegremente. Quando dourados, receberam a companhia duma generosa cebola grosseiramente picada e dumas rodelas de chouriço (este também do terroir do Pingo doce, mas aqui de porco preto, da Miguel & Miguel, Lda, de Serpa - com um delicioso toque de pimento e boa RQP*, IMHO**). Uns bons dez minutos em lume esperto, uma folha de louro a saltar para o tacho e eis que é hora de juntar o vinho da marinada (com os alhos esmagados) que fica quase a cobrir a carne. Baixa-se o lume para o mínimo logo que a mistura começa a fervilhar e deixa-se em extremosa estufagem durante o tempo de meio jogo de futebol (não contando o tempo do intervalo). Ao fim desse tempo, a carne deverá estar macia. Faz-se tarde para juntar o tempero: pimenta preta a gosto, cravinho em pau, malagueta a gosto e cominhos para completar a volúpia. Fervilha, calcula-se a água a acrescentar para cozer o arroz, acrescenta-se a água (terá sempre e pelo mínimo, o dobro do volume de arroz, que se quer carolino) e depois o arroz. Quando recomeça a ferver, baixa-se o lume para o mínimo e tapa-se o tacho. Doze minutos, uma dúzia inteira deles e o arroz estará prazenteiro e suave no palato. Acrescenta-se o sabor final que comporá o ramalhete: umas singelas folhas de hortelã (seis se inteiras, duas se picadas) que se envolvem. Serve-se... 


E foi este prato, indubitavelmente de forte sabor, que apresentei ao vinho, esperando um casamento celestial. Mas este vinho, ao contrário do que esperava, não era cheio de cor, nem um portento de fruta a compotar, nem um mar de álcool, nem um tarzan taborda. Encontrei um vinho pouco carregado na cor, elegante, cheio de fruta fresca (até parece que tem pinot), algo especiado, com bons taninos e com apenas 13,5º de álcool. A madeira aparece sem notas de baunilha a cumprir (bem) o seu papel. Sendo talvez o menos exemplar da região de onde provêm, é capaz de ter sido o que mais me agradou. E custa € 3,49 o ano todo (agora com o tal desconto do leve 6 pague 5). Nota negativa apenas para a rolha - aglomerado de cortiça. Não havia uns cêntimos para uma rolha de cortiça?  


* RQP - Relação qualidade, preço;
** - IMHO - In My Humble Opinion - Na minha (mais que) humilde opinião.

2 comentários:

  1. Belo texto para um sem dúvida belíssimo arroz!
    ...e quando cheguei à hortelã e à foto, dei por mim a desejar, no devaneio, ver a menta substituída por avinagrado sangue do bicho e a fazer daquilo tudo uma inesperada cabidela.

    Abraço e bom fds.

    ResponderEliminar
  2. Belo arroz (ou deverei dizer belo vinho tinto?) que te fez saltar para lá do texto descritivo e lançou num narrativo todo charmoso... também podem ser efeitos colaterais dos mares das índias!!!
    Casamentos celestiais não há, lol!!!
    Beijinhos.

    ResponderEliminar