domingo, 25 de outubro de 2009

Caim, de José Saramago



Caim, o último livro de José Saramago que tanta poeira tem levantado. Depois da patetice de um senhor ligado à cultura aquando do evangelho segundo Jesus Cristo e que se recusou a enviar a obra nem me lembro para onde, porque ofendia a fé dos católicos, temos agora outro, que de Bruxelas, vem dizer que o Saramago devia renunciar à nacionalidade Portuguesa. Presumo que nem um nem outro tenham lido os livros que os levaram a ter os seus minutos de fama. De qualquer modo isto nem é importante, como não foram importantes as afirmações de José Saramago sobre a bondade ou confiabilidade de Deus nem mesmo as dos representantes da Igreja sobre a honestidade intelectual de Saramago. A Obra é superior a essas “tricas”.

Quando comprei o livro, hesitei entre lê-lo naturalmente, como um outro qualquer romance, ou fazer uma leitura cruzada com a narrativa do Antigo Testamento, nomeadamente do Pentateuco; optei pela primeira.

Saramago está cada vez mais igual a si próprio, ou seja genial; a forma como ele conta a história de Caim, num tempo longo desde a expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden até à chegada da Arca do Noé ao monte Ararat é sublime. São 181 páginas de puro prazer, duma escrita que com o passar do tempo vai precisando de menos palavras para nos transmitir mundos de imagens e pensamentos e que nos leva frequentemente a voltar para trás, para tentar apanhar algo que escapou. E quando se volta a voltar atrás descobrem-se mais coisas que escaparam anteriormente. É maquiavelicamente deliciosa esta escrita…

Deixo um excerto, dos mais marcantes para mim, num triálogo entre Caim, Abraão e seu filho Isaac, depois de Abraão ter desobedecido a Deus, não sacrificando o seu filho, tal como era Seu (dele, de Deus) desejo:

“…Perguntou Isaac, Pai, que mal te fiz eu para teres querido matar-me, a mim que sou o teu único filho, Mal não me fizeste, Isaac, Então porque quiseste cortar-me a garganta como se eu fosse um borrego, perguntou o moço, se não tivesse aparecido aquele homem para segurar-te o braço, que o senhor o cubra de bênçãos, estarias agora a levar um cadáver para casa, A ideia foi do senhor, que queria tirar a prova, A prova de quê, Da minha fé, da minha obediência, E que senhor é esse que ordena a um pai que mate o seu próprio filho, É o senhor que temos, o senhor dos nossos antepassados, o senhor que já cá estava quando nascemos, E se esse senhor tivesse um filho, também o mandaria matar, perguntou Isaac, O futuro o dirá, Então o senhor é capaz de tudo, do bom do mau e do pior, Assim é…” (pag. 85).

Mais um contributo para a academia.