A caldeirada, entendida num sentido lato como "aquilo que cabe na caldeira" é uma preparação que me fascina. Várias foram as variações e ensaios que já meti aqui no blogue e ainda há muito a descobrir. A forma como uma simples adição de azeite (e mais uma ou outra coisa) no caldo da cozedura transforma um simples cozido de peixe(s) numa sinfonia de sabores é algo que não cessa de me surpreender. Com apenas um peixe na preparação corremos o risco de não conseguir obter mais do que um concerto, mas as formas culinárias são como as formas musicais e ninguém no seu juizo perfeito preferirá um bom concerto a uma má sinfonia (e quem há-de negar que essa lhe é superior? - transcrição livre de uma letra de Caetano Veloso apenas para a contradição pairar no ar)...
Um tacho de fundo grosso com água, bacalhau em posta (previamente demolhado), batatas (descascadas), chalotas inteiras (e descascadas), pimento maduro (em rodelas), polpa de tomate (ou de preferencia tomate maduro que pode ter a pele e as sementes, não matam), o azeite (bom), alho (descascado e semi-esmagado), louro (uma folha e pode perfeitamente ser inteira que não constipa ninguém), um ar de pimenta preta (moída na hora) e outro de pimentão doce (colorau), hortelã fresca (acabada de colher, fantástica). Leva-se a lume brando e espera-se pela quase silenciosa transmutação alquímica que se vai operar durante cerca de quarenta minutos. Serve-se sem delongas.
Simples e delicioso este prato, feito para acompanhar o Hobby branco 2009, um vinho do Tejo que chamou a atenção pelos 16 pontos com que foi contemplado pelo painel da Revista de Vinhos deste mês e proposto a € 7,99, de que dei nota num post mais abaixo.
Feito com Chardonnay e Fernão Pires, tem 13,5º de álcool, um rótulo bem desenhado e um contra rótulo no mínimo bizarro, que descreve o vinho como "um vinho perfeito para quem quer viajar sem sair de onde está. Melhora consideravelmente qualquer tipo de música. O equilíbrio perfeito entre os seus aromas e sabores levam-nos para o País das Maravilhas."
O contra rótulo ainda refere dicas para o beber:
" Faça os seus telefonemas mais importantes e desligue o telemóvel, depois abra a garrafa e desfrute calmamente do Chardonnay e do Fernão Pires a 12º C.
Não acompanhe com carnes elaboradas, pratos de forno ou queijos curados."
Como podia dizer o Herman dos bons tempos da Enciclopédia: O vinho é um bom vinho, não havia necessidade...
Na verdade é um vinho bem feito, agradável na roupagem, nos aromas, na boca, no fim de boca e na aptidão gastronómica. Quanto às sugestões do contra rótulo, colhe a da temperatura de serviço, que as outras parecem extemporâneas, mas isto digo eu sem saber.
Sabes quantas vezes já li o teu 1º parágrafo? 5
ResponderEliminarA partir da 7ª linha fico burra com 3 rrr! lol!
Adiante da sinfonia, do concerto e da contradição que paira no ar (se fosse só no ar...)vem a bela da foto do concerto (lol) de bacalhau após a transmutação alquímica (não sei se foi pelo vinho que citas que ficaste assim inspirado, mas se foi valeu a pena só por isso).
Fico a imaginar o perfume da hortelã como nota final desta singela maravilha, assim como o contraste verde-vermelho. Gosto sempre das ervas adicionadas no final, já fora do lume, mesmo quando as uso durante a confecção.
Mas... gostos são gostos e não se discutem!
Beijinhos.
Nem sinfonia, nem concerto!
ResponderEliminarEsta primorosa execução tem outro "swing" na sua simplicidade exemplar: é mais um samba, daqueles bem envolventes, e vem logo à memória a voz gasta do Jobim -
"Eis aqui este sambinha feito numa nota só/..."
Outras notas vão entrar, mas a base é uma só/
Conteúdo e contra-rótulo à parte, cá para mim o rótulo pugilístico do Hobby também é um belo estupor.