sábado, 23 de outubro de 2010

Anho Assado no Forno | Pegos Claros 2005

Embora sabendo quão perigosas podem ser as generalizações, não devo estar a dizer um grande disparate se afirmar que a Sul e para muitas pessoas, o cabrito é para o forno e o borrego é para o ensopado. Acima do Douro e como os ensopados não fazem parte do receituário tradicional, acabará por ser quase indiferente o que se mete no forno, seja cabrito, seja borrego. Inclusivamente, a pp 26 e 27 da Cozinha Tradicional Portuguesa, de Maria de Lourdes Modesto, aparecem duas receitas onde se refere explicitamente o anho ou o cabrito. Sabendo da leviandade com que a palavra ou é tratada na blolgosfera (com a preparação à Brás a ser talvez a que mais sofre como se uma nobre preparação pensada para fazer brilhar o bacalhau possa resultar com frango ou atum ou restos de carne ou alheira ou tofú ou o que demais se lembrar a fina flor da blolgosfera) por oposição à notável seriedade do trabalho de Maria de Lourdes Modesto, fica uma ideia a pairar no ar... Serão o borrego e o cabrito uma espécie de irmãos condenados a ficar estranhamente parecidos depois de sairem do forno? Ficam tão parecidos como um bacalhau e uma alheira depois de serem feitos à Brás, embora em alguma restauração chico-esperta do Burgo há quem venda gato por lebre, neste caso, anho por cabrito, o que não é desprimor para os anhos nem para os gatos, já que um anho superiormente preparado não é melhor nem pior que o cabrito. É apenas direrente, não se pode considerar como se fosse uma alheira à Brás e tem muitos e incondicionais admiradores.  

Este foi feito de uma forma pouco canónica se se levar em linha de conta o receituário tradicional, mas ficou absolutamente delicioso. Se a matéria prima fosse de insuspeita qualidade, (o que não se verificou, era apenas borrego jumbular) isto era bem capaz de ter sido um dos melhores pratos que já sairam do forno cá de casa). 

Deixei o anho cortado em pedaços a marinar com vinho branco (uma garrafa que tinha aberto há pouco tempo e que tinha TCA, logo imbebível, mas como o TCA é volátil, pode-se usar o vinho para cozinhar sem problemas), alho, sal, pimenta e massa de pimentão (que ganhou mais um fã) no frigorífico e durante cerca de 24 horas. Foi ao forno com batatas e uma generosa porção de azeite. Cerca de 2 horas a 150º C foram suficientes para este anho ficar no ponto. Servi com umas couves cozidas, simplesmente. 


O vinho escolhido foi o Pegos Claros e tem uma história, para mim, curiosa. A colheita de 1993 (na altura com enologia de João Portugal Ramos) estava na lista dos 100 melhores vinhos Portugueses em 1997, de José António Salvador. No guia de 2000 do João Paulo Martins, a edição de 1995 teve Muito bom e foi referenciado como um vinho de qualidade consistente, tendo JPM referido que essa era uma qualidade, infelizmente, rara nos vinhos portugueses. Lembro-me bem da edição de 1993. Custaria cerca de € 10,00 e era um dos bons vinhos de Castelão de Palmela. Entretanto o vinho desapareceu de circulação, as vinhas foram integradas na Companhia das Quintas e agora aparece no mercado a colheita de 2005. Provado pelo painel da RV, teve 16,5 valores; quanto ao preço, baixou... Custa € 3,98 no hipermercado. O velho rótulo em tons de verde, que JAS achava feio (e seria, mas era bem desenhado) foi substituido por um novo, banal e cinzentão. Quanto ao vinho, as vinhas de quase 50 anos continuam a dar uvas, o preço é muito simpático e o vinho está aí para as curvas. A este preço, nem sei o que dizer...   

3 comentários:

  1. Realmente eu gosto das coisas pouco canónicas... claro que sei que o não cumprir regras instituídas por quem sabe, é sempre um risco que nem todos podem correr.
    Tu és daqueles que se podem dar a esse prazer, pois já tens as regras todas interiorizadas e, metas o que for dentro do forno sairá sempre fantástico, como este borrego (a quem chamas anho) e respectivas batatas acompanhantes...
    Quando for grande, vou conseguir umas batatinhas assim...
    Beijinhos.

    ResponderEliminar
  2. Ah! Que belo naco de prosa, com alheiras à brás, gatos e tal...
    Só comparável ao naco ovino da foto!

    ResponderEliminar
  3. Ana, realmente para se quebrar uma qualquer regra tem que se ter um perfeito conhecimento da mesma, o que não é o meu caso. Ainda assim, o meu forno é um perfeito ajudante para os meus modestos assados.

    Luís, os gatos só entraram porque aqui no burgo há muito borrego mal assado a ser vendido por cabrito e muita gente a não distinguir um do outro...

    ResponderEliminar